Pepetela agora é doutor honoris causa pela UFRJ

Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos é um dos maiores intelectuais angolanos de todos os tempos

Nesta quinta-feira, 13/5, o Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Consuni/UFRJ) concedeu, por unanimidade e sob aclamação, o título de doutor honoris causa ao professor angolano Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, conhecido como Pepetela, hoje com 79 anos. Sua obra joga luz sobre a história contemporânea da Angola e os problemas que o povo angolano enfrenta.

Pepetela é intelectual premiado em seu país e no exterior. Autor de mais de 25 livros, que foram editados em vários países de língua portuguesa e traduzidos para diversos idiomas, produziu uma série de artigos sobre a sociedade e política angolanas, assim como participou das mais importantes organizações culturais de seu país. Aqui no Brasil, Pepetela é um dos escritores angolanos mais estudados por meio de teses e dissertações sobre seu legado. O escritor participou, ainda, de diversos eventos na UFRJ, em especial, no Instituto de História e na Faculdade de Letras.

A reitora da UFRJ, professora Denise Pires de Carvalho, comemorou a aprovação unânime pelo conselho superior.

“Merecidíssimo o título àquele que foi o primeiro escritor angolano a receber o Prêmio Camões e que tem atuação relevante contra o colonialismo, muito presente nos dias atuais. Nós mesmos, como país, ainda vivemos tentativas dessa prática, e o Pepetela é um exemplo de anticolonialista, um crítico em termos socioculturais que valoriza a identidade nacional”, afirmou Denise.

De acordo com o professor Fabio Lessa, conselheiro responsável pela relatoria do processo, Pepetela tem produzido uma literatura que problematiza o social, delineando visões históricas e sociológicas importantíssimas para quem estuda a cultura e a estruturação angolana.

“[Sua obra] interroga as demandas de seu tempo e lugar, expondo as grandes questões sociais e políticas, as relações entre os grupos e as ideologias em confronto. Sua literatura rediscute a estruturação da nação angolana e possibilita que o país se repense ao ser defrontado com os seus escritos. A carreira de Pepetela como intelectual é extremamente rica, tendo publicado, desde 1965, vários artigos em jornais e revistas, além de textos didáticos, políticos e/ou de sociologia urbana. Ainda podemos destacar a série de entrevistas concedidas em mídias diversas. Contudo, sua produção exemplar encontra-se nos 25 livros de literatura que redigiu e publicou entre 1973 e 2018, nos quais delineou o retrato de sua época a partir de um posicionamento político questionador. Apesar da sua filiação ao Movimento pela Libertação de Angola (MPLA), sua literatura contraditou ironicamente as práticas políticas dos militantes desse movimento, desde o livro Mayombe, escrito entre 1970 e 1971 e publicado em 1980. Algumas de suas discussões abrangem temas como as críticas ao colonialismo português, a luta pela independência, a guerra civil, a corrupção, a apropriação do público pelo Estado e os desvios da utopia que emergira na luta de libertação”, afirmou.

Detentor de diversos prêmios literários angolanos, como o Prêmio Nacional de Literatura (1981) e o Prêmio Nacional de Cultura e Artes (2002), Pepetela recebeu, em Portugal, o Prêmio Camões (1997), um dos mais renomados e cobiçados pelos escritores de língua portuguesa. Já o Brasil reconheceu o seu talento com duas condecorações: o Prêmio Especial dos Críticos Literários de São Paulo (1993) e, em 2003, quando lhe outorgou a Ordem do Rio Branco no grau de Oficial, categoria concedida a alguns cargos e ocupações específicos — entre eles professores universitários e escritores. Também recebeu o Prêmio Internacional da Associação de Escritores Galegos (2007) e o Prêmio Prince Claus da Holanda (1993), concedido todo ano a pessoas e a organizações na África, Ásia, América Latina e Caribe pelas notáveis realizações no campo da cultura, desenvolvimento social e contribuição no campo cultural.

Trajetória

Pepetela compôs aquela parcela de brancos nascidos em Angola que optou por uma nação majoritariamente negra e que se posicionou a favor da independência ao lutar contra o sistema colonial implantado por seus antepassados.

Ele não pôde dar continuidade aos estudos em sua terra natal, tendo que ir para Portugal, país que colonizou Angola. Frequentou a Casa dos Estudantes do Império (CEI) e se tornou mais um futuro nacionalista da África contra o domínio lusitano. Participou, entre 1958 e 1962, das atividades literárias e políticas na CEI, partindo, nessa última data, para a França e daí para a Argélia, objetivando o engajamento na luta de independência de seu país. No MPLA, ocupou postos importantes nos campos político e intelectual na Argélia e também participou como guerrilheiro, em solo angolano. De 1964 a 1969, tornou-se um dos fundadores e um dos diretores do Centro de Estudos Angolanos, criado em Argel. Nesse período, entrou em contato com a pedagogia do brasileiro Paulo Freire. Licenciou-se, em 1966, em Sociologia pela Universidade de Argel, evidenciando, por essa escolha acadêmica, o foco nas questões sociais, característica marcante ao longo de sua vida. Durante a guerra anticolonial, atuou como dirigente e guerrilheiro, mas, mantendo sua vocação pelas atividades intelectuais e pedagógicas, exerceu em 1969 o cargo de responsável pela educação na IIa Região Político-Militar (Cabinda) da Frente Político-Militar Norte da guerrilha do MPLA. Em 1972, tornou-se diretor do Centro Escolar Augusto Ngangula e secretário permanente da Educação para Frente Leste, quando escreveu um de seus mais famosos livros, As Aventuras de Ngunga, concebido com a intenção de servir como texto para as escolas mantidas pela MPLA. Em 1974, foi nomeado diretor do Departamento de Educação e Cultura do MPLA. Ocupou, no ano seguinte, o cargo de diretor do Departamento de Orientação Política do MPLA, setor importante em uma organização que pretendia criar uma nova mentalidade política, e tornou-se membro do Estado-Maior da Frente Centro das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (Fapla). Volta a Luanda em 1976, quando foi nomeado vice-ministro da Educação, coordenando a Comissão de Reformulação do Ensino Superior em 1980, até deixar as funções governamentais, dois anos depois.

Em sua trajetória, de 1983 a 2008, Pepetela pertenceu aos quadros da Faculdade de Arquitetura da Universidade Agostinho Neto, em Luanda, lecionando Sociologia Geral e Urbana, tornando-se titular dessa disciplina em 1995. Atestando sua importância intelectual, já além do âmbito lusófono, foi convidado, em 2004, para atuar como professor visitante na Universidade da Califórnia (Berkeley). Foi membro fundador, em 1975, da União dos Escritores Angolanos — principal instituição literária do país, nascida no novo Estado Independente Angolano –, onde exerceu, entre 1984 e 1992, a função de presidente de sua Assembleia Geral e de secretário das Relações Exteriores. Entre 1998 e 2001, foi novamente presidente da Assembleia Geral. Participou de organizações não governamentais como a Associação Cultural Chá de Caxinde, da qual foi presidente da Assembleia Geral entre 1998 e 2008. Essa instituição, que conta com uma editora, promove teatro e literatura, assim como atividades culturais em geral. Em sua área estritamente profissional, o professor Pepetela exerceu, de 2003 a 2007, a presidência da Assembleia Geral da Sociedade Angolana de Sociólogos. Nesse último ano, foi nomeado pelo governo como embaixador da Boa Vontade para a Desminagem e Apoio às Vítimas de Minas, buscando solucionar um dos grandes problemas sociais que mais aflige a população angolana, simbolizando o valor de sua atuação política.

Por Assessoria de Imprensa da Reitoria