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Muito além da “Era do Gelo”: pesquisa da UFRJ redefine história da megafauna no Brasil

As últimas espécies de grandes mamíferos nas Américas sobreviveram milhares de anos após a extinção prevista

A partir de datações radiométricas, que permitem calcular com precisão a idade de objetos antigos e fósseis pela análise do carbono 14 presente em compostos orgânicos, cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em parceria com outras universidades, descobriram que a megafauna permaneceu viva em terras brasileiras muito mais tempo do que a suposta extinção abrupta no limite do Holoceno-Pleistocenos, mais conhecida como a “Era do Gelo”, há 11.700 mil anos.

Oito fósseis da megafauna de mamíferos que estavam localizados em Itapipoca (Ceará) e no rio Miranda (Mato Grosso do Sul) foram objetos de análises no Laboratório de Radiocarbono da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, único laboratório a realizar esse tipo de análise na América do Sul. De acordo com o professor Ismar Carvalho, do Instituto de Geociências da UFRJ, o estudo coloca em xeque uma das mais consolidadas teorias da geologia e paleontologia sobre a extinção catastrófica dos animas.

 “Essa história não é bem assim. Foram encontrados fósseis em ambos os estados brasileiros, que demonstram ter perto de 3.500 anos. Os grandes mamíferos do período sobreviveram por milhares de anos e não houve a extinção em massa”, afirma o professor Carvalho, um dos autores do artigo publicado no Journal of South American Earth Sciences.

As idades obtidas no estudo, junto com a evidência arqueológica, demonstram que as teorias de caça predatória por humanos e da rápida expansão humana para novos territórios não são muito adequadas para explicar a extinção da megafauna na América do Sul. As preguiças gigantes (Eremotherium laurillardi), os tigres dentes-de-sabre (Smilodon populator), os toxodontes (Toxodon platensis), os mastodontes (Notiomastodon platensis), e as paleolamas (Palaeolama major) desapareceram aos poucos, entre 7.800 e 3.400 anos.

Fotografia do professor Ismar de Souza Carvalho. Ele é um homem de pele branca, cabelos grisalhos, usa camisa polo clara, calça verde-escura e chapéu de palha. No registro feito em primeiro plano, o professor está agachado e sorri discretamente.
Ismar Carvalho, professor do Instituto de Geociências, é coautor da pesquisa | Foto: Divulgação

Os grandes animais que viveram em várias épocas da história da Terra, particularmente durante o período Pleistoceno, que começou há 2,6 milhões de anos e terminou há aproximadamente 11.700 anos, compõem a denominada “megafauna”. Eram criaturas gigantescas, que variavam de répteis colossais a enormes mamíferos. Várias teorias têm sido propostas para explicar a extinção da megafauna: mudanças climáticas, caça intensiva por humanos e doenças estão entre elas.

Para o pesquisador Fábio Henrique Cortes Faria (UFRJ), a descoberta abre novas perspectivas para a ciência. “Do ponto de vista arqueológico, é importante entender como era a interação entre os humanos e a megafauna, e também entender de que forma fatores como o tempo de reprodução, cuidados parentais, alimentação e adaptabilidade contribuíram para o fim das espécies. Além disso, podemos traçar um paralelo à nossa atualidade para compreender os eventos de extinção causados por mudanças climáticas e ambientais”, afirmou.

O artigo analisa a fauna que existiu no Brasil após os eventos de extinção dos grandes mamíferos e os motivos climáticos da alteração da biota durante o tempo presente. Os fósseis analisados são das coleções paleontológicas do Museu de Pré-História de Itapipoca (Ceará) e do Laboratório de Zoologia do Departamento de Biologia da UFMS (Campo Grande, Mato Grosso do Sul). Além dos dois pesquisadores da UFRJ, integraram a equipe Hermínio Ismael de Araújo-Júnior (Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Uerj), Celso Lira Ximenes (Museu de Pré-História de Itapipoca/Muphi) e Edna Maria Facincani (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/UFMS). O estudo contou com apoio financeiro da Faperj e do CNPq.

Paleolamas (Palaeolama major) desapareceram aos poucos, entre 7.800 e 3.400 anos | Imagem: Guilherme Gehr/Divulgação