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Risco de apagão universitário

Universidades podem perder milhões com o bloqueio de recursos do orçamento discricionário

A partir de outubro, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) deverá dar os primeiros sinais de paralisação de atividades por falta de recursos financeiros para pagar os contratos estabelecidos para o ano. A crise é consequência do bloqueio de 7,2% do Orçamento de 2022, após ele ter sido aprovado, fruto de um decreto do presidente Jair Bolsonaro (PL). A medida foi uma verdadeira rasteira nos gestores das instituições públicas de ensino superior, que regressaram ao ensino presencial buscando trabalhar de forma planejada, apesar das reduzidas verbas que caem ano a ano.

O pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças, professor Eduardo Raupp, acreditava que o ano de 2022 seria de desafios, mas havia um planejamento já feito para o empenho dos recursos com a aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA). O corte inicial de 14,54%, que depois se torno de 7,2% na semana passada, do orçamento discricionário – a parte usada para pagar os contratos de segurança, manutenção e limpeza, serviços de energia elétrica e saneamento – coloca a universidade em uma situação dramática. “No início do ano, a gente já calculava que não seria verba suficiente para cobrir os dois últimos meses em função do que ficou pendente do ano passado e da necessidade de atender aos aumentos de contratos em 2022, por conta dos dissídios coletivos. Mas esse bloqueio retira do nosso orçamento algo em torno de R$ 25 milhões, o que equivale a um mês de funcionamento. Se o bloqueio não for revertido, vai ser muito difícil manter a Universidade operando plenamente”, afirmou.

Segundo Raupp, todos os pagamentos estão assegurados até o fim de julho. Por obrigação contratual, as empresas devem dar garantias de manutenção dos serviços até 60 dias após o último mês pago. “Até outubro contávamos em honrar os compromissos e iríamos administrar em novembro e dezembro os casos emergenciais. Agora, o bloqueio está antecipando esse cenário para agosto. Então, setembro, outubro, novembro e dezembro estariam descobertos. A gente estima o impacto de empresas parando entre setembro e outubro. E, sinceramente, sem a reversão do bloqueio, parece inevitável”, revelou o pró-reitor.

Basicamente, a dotação orçamentária para a Universidade está dividida em dois grandes grupos: uma parte para pessoal (ativos e inativos) e outra de orçamento discricionário. Para as despesas de pessoal, a UFRJ terá para pagar  R$ 3.028.627.415,00, uma pequena redução de 2,72% em relação à LOA 2021. Para as despesas discricionárias, o orçamento era de R$ 329.290.643,00 – e sobre esse valor haverá uma perda de 14,5%.

Para complicar a situação, com a redução significativa do orçamento discricionário da UFRJ de 2020 para 2021 – quando foram cortados por volta de R$ 75 milhões –, após ajustes nas contas com base em um planejamento prévio, ao final do ano passado havia um passivo na ordem de R$ 20 milhões, que precisariam ser honrados com o orçamento de 2022. “Estávamos na expectativa de reduzir essa previsão de déficit. O que equivaleria a chegar não aos R$ 90 milhões, mas em R$ 40 ou RS 50 milhões que carregaríamos para o ano de 2023. Agora isso está pulando para R$ 100 milhões, apesar de todo o controle que procuramos fazer”, enfatizou Raupp.

A assistência estudantil por enquanto estará preservada, uma vez que a UFRJ entende a necessidade de dar apoio a muitos jovens que regressaram aos estudos após a pandemia. “Nesse momento não deixamos a assistência estudantil ser atingida. Estamos preservando as bolsas e auxílios, mas, se nada mudar, uma série de investimentos serão afetados e terão que ser postergados, a exemplo dos projetos de benfeitorias no entorno do alojamento estudantil. Todas as intervenções que permitiriam o funcionamento adequado do novo bloco e do entorno estarão comprometidas”, disse Raupp.

No ponto de vista do pró-reitor, esse bloqueio não decorre apenas de um problema orçamentário ou financeiro, é uma escolha política do governo. Surpreende a ação em um contexto atual, em que, paradoxalmente, a arrecadação bate recordes. As emendas parlamentares e outras áreas que são de interesse do Executivo estão sendo preservadas, mas educação, ciência e tecnologia e saúde estão sendo sacrificadas.

Como destacou Eduardo Raupp, o problema não está na gestão das instituições. “Não é que a gente esteja sempre pedindo mais e não fazendo nada.  Ao contrário, o nosso orçamento caiu muito em termos reais, mas temos conseguido adequar as nossas necessidades. Com certeza, houve muitos avanços. O ideal é que tivéssemos um orçamento discricionário por volta de R$ 410 milhões em 2022 – e esse já seria um valor inferior ao que recebíamos há 10 anos, que, em termos reais, era acima de 500 milhões. Todo o esforço feito em termos de aprimoramento de gestão demonstra que nós conseguimos reduzir os nossos custos, mas cortar o orçamento após ter sido liberado é algo inédito e sem sentido administrativo, algo que só é adotado por quem não preza a educação pública”.

Com a ajuda da opinião pública e dos parlamentares, as instituições esperam reverter o bloqueio, que parece destinado a ser uma pá de cal na educação pública superior e no desenvolvimento da ciência e da tecnologia.