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Meio Ambiente

Descrença e inércia frente às mudanças climáticas

Pesquisa mostra que classes B e C se preocupam não só com problemas financeiros, mas com enchentes, lixo e efeitos da ação do homem no ambiente

O ano de 2022 será lembrado como um dos mais letais para os brasileiros em decorrência das mudanças climáticas. A Confederação Nacional de Municípios revelou que, de janeiro a maio, foram 457 vítimas, o equivalente a um quarto das mortes por chuvas, enchentes e deslizamentos no Brasil em dez anos. Não é à toa que esse passou a ser um temor real para a população de modo geral, mas em especial para os cariocas, como aponta o estudo, lançado no fim de maio, Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Econômico: Percepções da População da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, do Laboratório Conexões do Clima, ligado ao Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A pesquisa procurou investigar como as classes B e C percebem os efeitos do aquecimento global no dia a dia. Reuniões com grupos de oito a dez pessoas, com idades entre 18 e 50 anos, foram realizadas com moradores da região metropolitana do Rio que se identificavam como “politicamente neutros”. Os entrevistados podiam ter uma ocupação formal ou informal, ser estudantes, donas de casa, desempregados ou desalentados. A etnia era variada, bem como a religião e o local de moradia (moradores ou não de favelas). A coordenadora do FCC, Tatiana Roque, destacou que a pesquisa mostra que há clara percepção entre os entrevistados de que algo grave está acontecendo, com mais desastres, chuvas fortes e frequentes, além de estações do ano indefinidas.

Em vez de ter visões negacionistas, o público pesquisado demonstrou a percepção instintiva de que vivemos uma crise ambiental grave com consequências que poderão ser devastadoras. Todavia, poucos conseguiram abordar toda a complexidade do tema. Em geral, os mais jovens mostraram-se mais críticos e apresentaram maior capacidade de relacionar, por exemplo, o problema da emissão dos gases poluentes e do efeito estufa com as mudanças climáticas, que geram não apenas calor, mas também fenômenos de frio extremo fora de época. A maioria das pessoas ouvidas, porém, demonstrou desconhecimento sobre como pressionar as instituições públicas e privadas por mais ação frente à crise climática. “Eles não veem nem por onde começar. Há um descompasso da percepção da gravidade do tema e o que eles podem fazer sobre isso”, disse a coordenadora do Fórum.

Como a população lida com o lixo foi, de longe, a questão mais mencionada como uma das causas dos problemas ambientais. Entretanto, o debate sobre a produção, o descarte e o tratamento do lixo esteve mais relacionado a um problema de comportamento individual do que à ineficiência do poder público para estimular a reciclagem ou a coleta seletiva do lixo. “Há um entendimento de que esses problemas são reflexos da falta de cuidado com a limpeza urbana e de uma política voltada a cuidar dos resíduos em geral, que são vistos como os principais motivos para a ocorrência de deslizamentos e alagamentos. Mas há pouca esperança de que o poder público resolva o problema, e as soluções elencadas são individuais na maioria das vezes”, ressaltou Tatiana Roque.

A ausência de política habitacional foi outro ponto destacado no levantamento, bem como os problemas com saneamento básico. Os entrevistados têm clara noção dos efeitos da desigualdade socioeconômica quando as chuvas provocam catástrofes. Para eles, embora o temporal atinja todos, é bem diferente como cada família se protege ou preserva os bens adquiridos com esforço.  Há entendimento de que famílias ricas podem recompor os bens, enquanto os pobres ficarão desprovidos de tudo. “Ainda que as pessoas tenham diversos problemas relacionados a questões financeiras, como o desemprego, elas percebem que as questões ambientais as afetam diretamente, como a falta de saneamento e enchentes, se preocupando com isso de forma interligada com a questão das desigualdades”, afirmou Roque.

No ponto de vista do professor de Ecologia Fábio Scarano, do Instituto de Biologia da UFRJ, as pessoas têm percepção do quanto são importantes para mudar esse cenário, considerando desde a forma como descartam o lixo às práticas de consumo. “Por outro lado, elas se sentem impotentes em relação a transformar governos, práticas do setor privado e até mesmo quem vive na mesma comunidade”, explicou.

O estudo chegou à conclusão de que é preciso evidenciar que os efeitos das mudanças climáticas não estão mais distantes do cotidiano nem do local onde as pessoas vivem. Além disso, é necessário mudar a forma como os líderes de movimentos ambientais se comunicam com a população, tornando as questões relacionadas ao meio ambiente mais palpáveis e interligadas a problemas cotidianos e com o modelo econômico vigente. Segundo Ana Toni, do Instituto Clima e Sociedade, que debateu os resultados da pesquisa, o movimento ambiental no passado foi obrigado a ter uma linguagem catastrófica para colocar o tema na agenda. “Hoje ela não é mais suficiente, sendo preciso diversificar a maneira de comunicar para falar com outros públicos. Pelo fato de todos saberem que é um problema urgente, acho que há uma certa arrogância na crença de que as pessoas precisam apenas confiar no que é dito. O tema das mudanças climáticas não é mais de meio ambiente, mas econômico e social”, comentou.

O debate, que ocorreu no evento de lançamento do estudo, pode ser assistido no canal do FCC no YouTube com o título Lançamento da Pesquisa Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Econômico. Pode-se também baixar a pesquisa para conhecer todos os detalhes aqui.