Categorias
Saúde

Doenças negligenciadas: uma questão social

Debate do Campus Macaé fala sobre o problema no acesso aos medicamentos para doenças endêmicas na população de baixa renda

As doenças negligenciadas, como a doença de Chagas, a leishmaniose, a tuberculose e a dengue, são responsáveis por 11,4% dos adoecimentos no mundo, causando cerca de um milhão de mortes anualmente em países, principalmente, da África, Ásia e América Latina. Porém, apenas 1,3% dos medicamentos registrados pela indústria farmacêutica, entre 1945 e 2004, buscavam contê-las. O que explica esse enorme abismo entre a doença e o interesse das grandes empresas?

Causadas por agentes infecciosos ou parasitas, essas doenças são consideradas endêmicas em populações de baixa renda. Durante evento realizado pelo Núcleo de Suporte à Assistência Farmacêutica (NuSAF), do Campus Macaé, realizado em 18/4, a coordenadora da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi América Latina), Marina Certo, expôs a ligação da recorrência dessas doenças com a dificuldade de retirar uma população da situação de pobreza.

“Essas doenças são sinais da perpetuação de ciclos de pobreza e negligência de um país. No momento em que uma pessoa em vulnerabilidade social, além de todas as suas questões econômicas, familiares e de trabalho, ainda fica doente, fica mais difícil para ela sair dessa situação de pobreza, porque ela ainda vai carregar essa responsabilidade com a sua saúde”, explica.    

Os pacientes de tais doenças carecem de amparo desde o início, quando dependem inteiramente do setor público para terem acesso aos medicamentos corretos. O remédio responsável pelo tratamento da Doença de Chagas, chamado benznidazol, por exemplo, é fornecido apenas pelo Ministério da Saúde, visto que os direitos do medicamento foram doados pelo seu antigo laboratório ao governo federal.

Para realizar a pesquisa a respeito de medicamentos para essas doenças e para amparar os sistemas que as combatem, existe a DNDi, uma organização internacional, sem fins lucrativos, que teve como um de seus principais responsáveis pela sua criação a Médicos Sem Fronteiras. Orientada pelas necessidades dos pacientes, ela desenvolve tratamentos seguros e acessíveis para milhões de pessoas em situação vulnerável. Para Marina Certo, o motivo de o Brasil atrair a atenção de programas mais estruturados para lidar com essas doenças, como o DNDi, é por ele ter um histórico marcante a respeito da universalização e da democratização do acesso à saúde, principalmente com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Sistema Único de Saúde (SUS).

Além disso, o grupo debateu sobre os estigmas e as dificuldades que as pessoas com doenças negligenciadas enfrentam, sobretudo, no Brasil. Segundo os pesquisadores, por ter uma vasta extensão territorial, é difícil medir a dispersão de informações a respeito de medicamentos para essas doenças. O acesso ao SUS é escasso, o governo não consegue mensurar e nem localizar indivíduos com esses males para prestar o auxílio devido, justamente porque as doenças atingem locais marginalizados.

A falta de informação é um dos principais agravantes da propagação desses problemas no Brasil. Os pacientes não sabem onde procurar ajuda, qual seria o tratamento correto a realizar ou, até mesmo, o que está acontecendo com eles, que as enfermidades enfrentadas são comuns e são passíveis à medicação oferecida gratuitamente pelo SUS. Para a diretora-executiva da Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais (Uaem), Luciana Lopes, o descaso do governo em não intensificar a profusão desses conhecimentos demonstra a desigualdade do país.

 “A incidência de doenças negligenciadas é retrato da situação socioeconômica da população. A maioria dessas doenças são preveníveis, mas, se não tratadas, algumas das complicações − quando se consegue obter diagnóstico, que muitas vezes é tardio − podem afetar a qualidade de vida das pessoas. Esses indivíduos têm de ser tratados como vidas também, não só como uma possível perda de capital para o Estado”, defende Lopes.

O corte de verbas em pesquisa nas universidades públicas também evidencia o descaso do governo. O tratamento para doenças negligenciadas não proporciona tanto lucro quanto para outras enfermidades, por isso instituições privadas não têm interesse em desembolsar verba e envolver profissionais para uma causa sem retorno financeiro. Além disso, a própria área da pesquisa, seja ela pública ou privada, já sofre com a indiferença governamental e com enormes cortes de verba anualmente.

            Debates como esses expõem que o assunto das doenças negligenciadas é complexo e envolve muito mais do que a saúde e a pesquisa: envolve a situação socioeconômica e política de um país. De acordo com as pesquisadoras, deveria, sim, haver maior envolvimento do governo, tanto para desenvolver políticas públicas para combater tais doenças como investimento em informação e em pesquisa. Não é um problema sem solução ou de proporções que fogem do controle estatal a ponto de ter a sua gravidade rejeitada em razão de segregação e abandono do governo.

Assista ao debate completo no canal do NuSAF.

Este texto é resultado das atividades do projeto de extensão “Laboratório Conexão UFRJ: Jornalismo, Ciências e Cidadania” e teve a supervisão da jornalista Carolina Correia.