O cuidar é feminino e negro

Grupo de Trabalho de Parentalidade e Equidade de Gênero produz guia de apoio a membros que exercem o papel de cuidadores

Historicamente, os cuidados com crianças, idosos e enfermos são realizados por mulheres e negros, e, na pandemia da COVID-19, essa realidade não foi diferente. Com o avanço da doença, o isolamento e o aumento no risco de contágio, esses cuidados se tornaram ainda mais necessários, pesando na saúde mental e física dos cuidadores. Visando ao bem-estar de todas essas pessoas, o Grupo de Trabalho de Parentalidade e Equidade de Gênero (GTPEG) da UFRJ lançou o Guia de Boas Práticas de Apoio à Parentalidade e às Pessoas Cuidadoras em Atividade na UFRJ.

Segundo Gizele Martins, professora da Enfermagem do campus Macaé e coordenadora do GTPEG, a necessidade de criar o guia veio da ausência de uma política institucional de apoio à parte do corpo social da UFRJ que, de alguma maneira, exerce o papel de cuidador.

“Acreditamos que por meio do guia poderíamos sensibilizar todo o corpo social quanto à necessidade de condições diferenciadas diante das assimetrias evidenciadas durante o trabalho remoto e a conciliação com os cuidados domésticos e do ato de cuidar. Vale destacar que o guia é um incentivo para que possamos tornar a Universidade um ambiente mais equânime e que se preocupe com a diminuição da desigualdade de gênero”, explica.

A professora conta que o grupo não existia antes da COVID-19, mas as dificuldades de trabalho, estudo e produtividade ao exercer a função de pessoa cuidadora sempre foram uma dura realidade. “A pandemia, pela necessidade do isolamento social, desvelou a sobrecarga de quem cuida em um nível antes não observado. Isso se deu pela perda da rede de apoio, como escolas, creches, profissionais formais para cuidado de idosos e serviços de tratamento para pessoas com deficiências e transtornos mentais.”

O documento traz orientações de como a administração deve lidar com professores, técnicos-administrativos e alunos que estão envolvidos no cuidar, seja em qual nível for. Entre as ações propostas, estão a flexibilização do horário de expediente ou aulas; extensão de prazos para entrega de trabalhos; fortalecimento da rede de apoio e divisão de tarefas entre colegas; e uma maior sensibilidade de chefias e orientadores.

O cuidar é calcado na desigualdade

Além das instruções para o acompanhamento de cuidadores, o guia mostra também que a construção social do cuidado é, até hoje, fruto de uma cultura patriarcal e de racismo estrutural. Essa cultura tornou o cuidado das pessoas necessitadas — crianças, idosos, pessoas acamadas, entre outras — um trabalho basicamente de mulheres e negros, tirando desses as mesmas oportunidades dadas à população branca e masculina.

Entre as adversidades encontradas pela população cuidadora,estão a dificuldade na entrada e permanência no mercado de trabalho, menores salários, piores condições de trabalho, dificuldade no acesso e permanência no sistema educacional, prejuízo à saúde mental, entre outras.

“Uma das formas mais eficazes de melhorar esse cenário é por meio de ações afirmativas que garantam acesso a editais e a condições de trabalho e estudo diferenciadas. Do contrário, estaríamos reproduzindo uma lógica meritocrática que não cabe”, defende Martins.

Para a professora, além da construção dessas ações afirmativas, acompanhada por um monitoramento e cumprimento delas, também é essencial que se promova uma reeducação social das estruturas de opressão. “Não estamos pleiteando privilégios e sim direitos. Direito essencialmente a ter condições de estar em uma Universidade inclusiva, que acolha as diferenças e que não desperdice talentos, tanto no acesso quanto na permanência de discentes, docentes e técnicos-administrativos em educação”, conclui.

Leia o Guia de Boas Práticas de Apoio à Parentalidade e às Pessoas Cuidadoras em Atividade na UFRJ na íntegra aqui.