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Coronavírus: pesquisadores da UFRJ avaliam impacto econômico da doença

75 docentes emitiram carta aberta e avaliam como lenta a reação das autoridades econômicas frente à gravidade da crise

Um grupo de 75 pesquisadores do Instituto de Economia (IE) da UFRJ elaborou uma carta aberta referente ao impacto econômico gerado pela COVID-19. No texto, os professores contextualizam a situação do país e defendem a adoção de oito medidas pelo governo e pelo Congresso.

Docentes do Grupo de Trabalho sobre o Novo Coronavírus também se posicionaram; leia aqui.

Leia na íntegra:

O mundo está enfrentando uma grave crise econômica provocada pelo avanço da pandemia da COVID-19. Instituições internacionais (Fundo Monetário Internacional, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento etc.) e economistas renomados estão projetando significativa desaceleração do crescimento mundial, no melhor dos cenários, ou uma recessão global em 2020, em cenários menos otimistas.

As medidas implementadas de isolamento e/ou quarentena para impedir o avanço do vírus nos países mais afetados provocaram a interrupção das atividades normais das pessoas, desmobilizando recursos. Isso impactou negativamente a produção, o consumo corrente e os investimentos. Portanto, a gravidade dos efeitos econômicos da COVID-19 deve-se à sua capacidade de gerar, ao mesmo tempo, choques negativos na oferta e na demanda agregada mundial. Ademais, há uma enorme pressão sobre os recursos (físicos e humanos) na área de saúde com o aumento dos casos de pessoas infectadas, sobretudo no pico da epidemia, o que requer uma espécie de economia de guerra nesse segmento.

Em virtude disso, muitos governos estão adotando medidas para: i) garantir que não haja desabastecimento de bens e insumos básicos, por meio do monitoramento das cadeias de distribuição (transportes e o comércio atacadista e varejista) e, quando necessário, de eventuais intervenções em setores produtores e importações emergenciais; e ii) estimular a economia por meio de políticas monetária, fiscal e creditícia.   

A economia brasileira será profundamente afetada por essa conjuntura crítica decorrente do avanço na COVID-19 no país, o que é agravado pela nossa situação prévia de baixo dinamismo e incapacidade para recuperar os níveis de produção anteriores à recessão de 2015-16. 

Nesse quadro, que já era preocupante antes de a pandemia se instalar, a resposta do governo brasileiro para enfrentar a crise econômica (plano divulgado no dia 16/03/2020) gera ainda maior preocupação ao não propor nenhum recurso novo, apenas antecipação de recursos ou diferimento de pagamentos. Ademais, o ministro da Economia mantém o discurso de que a melhor resposta para combater a crise econômica seria a aprovação das reformas administrativa e tributária. 

As reformas já aprovadas (Emenda Constitucional 95/2016 do “Teto dos gastos”, reformas trabalhista e previdenciária) não foram capazes de proporcionar a retomada do crescimento econômico e, em alguns casos, ampliaram as vulnerabilidades para enfrentar os desafios atuais das crises de saúde e econômica provocadas pela COVID-19.

A EC 95/2016, por exemplo, alterou o cálculo do mínimo constitucional na área de saúde que implicou uma redução de mais de R$ 20 bilhões nos recursos federais que deveriam ter sido utilizados para saúde pública desde 2018. Ademais, somada a um resultado primário rígido, essa emenda constitucional impede a execução de políticas fiscais anticíclicas que permitem, durante a crise, manter o fluxo de renda da população, por meio de instrumentos de transferência de renda e da ampliação de investimentos.  

Diante desse quadro, a economia brasileira deverá mergulhar numa recessão em 2020, provocando a ampliação do número de desempregados e da população em situação de extrema pobreza. Segundo estimativas realizadas por Warwick McKibbin & Roshen Fernando (ver The Global Macroeconomic Impacts of COVID-19: Seven Scenarios, CAMA Working Paper, Australian National University, 2020), a economia brasileira deverá perder, em 2020, dois pontos percentuais de crescimento, num cenário mais favorável, e até oito pontos percentuais num cenário mais desfavorável. 

A recessão está contratada e pode ter a gravidade de uma depressão caso não sejam utilizados todos os instrumentos disponíveis de política econômica, sobretudo os fiscais, para combater a crise. Em uma economia sob efeito da COVID-19, haverá um esgotamento da capacidade instalada e escassez da mão de obra no setor saúde, combinados a desemprego e falta de produtos e insumos nos outros setores. Nesse contexto, a necessidade de priorizar os objetivos imediatos do país – a luta contra a pandemia e a contenção dos seus efeitos sobre a atividade econômica – em detrimento do equilíbrio fiscal de curto prazo não é uma questão ideológica.

As medidas econômicas anunciadas pelo governo brasileiro são paliativas: suficientes apenas para impedir a ruptura do sistema de crédito sem conseguir estimular a economia, pois o aumento da liquidez deverá ficar empoçado no sistema financeiro. Entretanto, a política de gastos governamentais deveria assumir papel central na reativação econômica e na economia de guerra na área da saúde. Para tanto, são necessários gastos adicionais ao previsto no orçamento para a infraestrutura de combate à doença e coordenação do governo central em virtude da baixa capacidade fiscal dos estados e munícipios. 

Pelas razões apontadas, professores do Instituto de Economia, abaixo assinados, consideram ser sua obrigação expressar publicamente sua profunda preocupação com a lenta reação das autoridades econômicas ante a gravidade da crise. Nessa situação, defendemos que o governo e o Congresso brasileiro adotem os seguintes pontos para combater a crise:

1) Ampliação dos benefícios e de programas de transferência de renda para famílias, de trabalhadores formais e informais que perderem ou tiverem sua capacidade de geração de renda diminuída pela crise, em especial para as famílias afetadas pela pandemia com filhos em idade escolar, garantindo que estes possam permanecer junto aos pais.

2) Eliminação da fila do Bolsa Família e reajuste do benefício.

3) Recomposição da verba de saúde em relação aos mínimos constitucionais definidos antes da EC 95/2016 e garantia de recurso extra para ampliação de testes, de leitos e aquisição de equipamentos para emergência.

4) Recomposição das verbas para Ciência e Tecnologia, especialmente para áreas capazes de enfrentar a pandemia, de forma a garantir nossa capacidade de desenvolver medicamentos e vacinas.

5) Alteração das demais regras fiscais vigentes, além do Superávit Primário, como a Regra de Ouro e a suspensão do Teto de Gastos, de forma a se criar um espaço legal para a necessária política de expansão dos gastos públicos.

6) Suspensão de multa, juros e penalização sobre pagamento atrasado de contas dos serviços de utilidade pública.

7) Ajuda fiscal aos estados e municípios, seja por meio de transferências do governo federal, seja pela renegociação de dívida, de forma a permitir aos entes subnacionais elevar seus gastos para fazer frente à emergência médica e seus impactos sociais mais imediatos.

8) Política de expansão de crédito e alongamento de dívidas utilizando os bancos públicos, para socorrer empresas e famílias mais afetadas pela pandemia.

Quem assina o texto

O texto é assinado pelos professores Adilson de Oliveira, Alexandre Laino de Freitas, Alexis Nicolas Saludjian, Almir Pita, Ana Celia Castro, Ana Cristina Reif De Paula, Andre de Melo Modenesi, Angela Ganem, Ary Vieira Barradas, Bernado Karam, Caetano Christophe Rosado Penna, Camila Cabral Pires Alves, Carlos Aguiar de Medeiros, Carlos Eduardo Frickmann Young, Carlos Frederico Leão Rocha, Carlos Pinkusfeld Bastos, Celia de Andrade Lessa Kerstenetzky, Daniel de Pinho Barreiros, Denise Gentil, Edson Peterli Guimarães, Eduardo Costa Pinto, Eduardo Figueiredo Bastian, Ernani Torres, Esther Dweck, Fabio de Silos Sá Earp, Fabio Neves Perácio de Freitas, Fernando Carlos Greenhalgh de Cerqueira Lima, Galeno Tinoco Ferraz Filho, Gustavo Daou Lucas, Helder Queiroz Pinto Junior, Helena Lastres, Isabela Nogueira de Morais, Italo Pedrosa Gomes Martins, Jaques Kerstenetzky, Joao Carlos Ferraz, João Felipe Cury Marinho Matias, Joao Luiz Maurity Saboia, João Luiz Simas Pereira de Souza Pondé, Joao Sicsu, José Eduardo Cassiolato, José Luís Fiori, Julia Paranhos de Macedo Pinto, Kaio Glauber Vital da Costa, Lena Lavinas, Leonarda Musumeci, Lia Hasenclever, Luis Fernando Rodrigues de Paula, Luiz Carlos Delorme Prado, Luiz Martins de Mello, Marcelo Colomer Ferraro, Marcelo Gerson Pessoa de Matos, Margarita Silvia Olivera, Maria da Conceição Tavares, Maria Isabel Busato, Maria Mello de Malta, Maria Silvia Possas, Maria Tereza Leopardi Mello, Marília Bassetti Marcato, Marina Honorio de Souza Szapiro, Marta Calmon Lemme, Marta dos Reis Castilho, Nicholas Miller Trebat, Norberto Montani Martins, Numa Mazat, Paulo Tigre, Raphael Padula, Renata Lebre Rovere, Rene Carvalho, Ricardo Alberto Bielschowsky, Ricardo de Figueiredo Summa, Rodrigo Vergnhanini, Rolando Garciga Otero, Ronaldo Bicalho, Victor Prochnik e Wilson Vieira.