A aluna de doutorado da Coppe/UFRJ Letícia Raposo desenvolveu um sistema capaz de identificar mutações do HIV que provocam resistência ao tratamento da doença. Batizado de SIRA-HIV (Sistema de Identificação de Resistência aos Antirretrovirais), o sistema faz parte de sua pesquisa, sob a orientação do professor Flavio Nobre, do Programa de Engenharia Biomédica da Coppe.
Atualmente a escolha dos medicamentos usados no combate ao HIV se baseia nos resultados obtidos pelos sistemas tradicionais, que identificam apenas as mutações majoritárias, ou seja, as que se encontram em alta frequência na população de vírus que circula no paciente (acima de 20%). “Já o SIRA-HIV, que trabalha com o resultado do sequenciamento da nova geração, a Next Generation Sequencing (NGS), identifica as mutações majoritárias e minoritárias (acima de 1%) do HIV”, explica Letícia, que é bolsista nota 10 da Faperj e estima defender sua tese na Coppe até fevereiro de 2018.
No mês de julho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta sinalizando a tendência de aumento de resistência do vírus HIV aos medicamentos existentes. No relatório divulgado, a OMS aponta que mais de 10% das pessoas em tratamento antirretroviral possuem vírus resistentes a algum medicamento. Esse percentual foi encontrado em 6 dos 11 países analisados na África, Ásia e América Latina. Outro relatório, do Programa da Organização Mundial da Saúde sobre Aids (Unaids), revela um aumento de 18% no número de pessoas com Aids no Brasil, entre 2010 e 2015. Essa população saltou de 700 mil para 830 mil pessoas. Hoje a doença é a causa de 15 mil mortes por ano no país.
Fruto de uma parceria entre o Laboratório de Engenharia de Sistema de Saúde da Coppe e o Laboratório de Virologia Molecular do Departamento de Genética do Instituto de Biologia da UFRJ, o SIRA-HIV é uma ferramenta de bioinformática que permite avaliar de forma rápida e eficiente a resistência de cada paciente às drogas antirretrovirais.
“O SIRA torna possível executar uma medicina personalizada, com a aplicação de medicamentos adequados a cada paciente. Os resultados apresentados abrem perspectivas para o desenvolvimento de sistemas similares que, aplicados a outras doenças, poderão prever reações adversas a medicamentos e possibilitar a escolha de outros mais adequados”, explica o professor Flavio Nobre.
Sobre o sistema
O SIRA-HIV integra três principais sistemas utilizados no mundo para testes de genotipagem: o americano Stanford HIV Drug Resistance Database (HIVdb), a Agência Nacional Francesa de Pesquisas sobre Aids e Hepatites Virais (ANRS) e o REGA Algorithm.
Robusto, o sistema desenvolvido na Coppe é capaz de analisar sequências de nova geração com o objetivo de identificar as mutações majoritárias e minoritárias presentes no vírus. Além disso, o novo sistema classifica o nível de resistência dos pacientes aos medicamentos.
“Isso tudo possibilita antecipar predisposições a resistências futuras, contribuindo para a escolha de medicamentos mais adequados e eficazes. O Sistema Único de Saúde (SUS) realiza cerca de 6 mil testes de genotipagem por ano. Estima-se que esse número possa chegar a 12 mil testes, capaz de ser coberto pela tecnologia de NGS acoplada à interpretação do SIRA-HIV”, em sua apacidade de multiplexação de diferentes alvos terapêuticos e pacientes para cada ensaio”, ressalta o professor de Genética do Instituto de Biologia da UFRJ Rodrigo Brindeiro.
Segundo Mônica Arruda, professora visitante e biotecnóloga do mesmo departamento, o médico também poderá prever, não só o impacto da terapia de resgate no vírus resistente majoritariamente circulante no paciente em falha terapêutica, como também os padrões futuros de resistência viral às terapias de resgate pela fixação das populações mutantes minoritárias.
Vantagens do SIRA-HIV
A maioria das ferramentas de bioinformáticas utilizadas pelos sistemas para identificar as mutações dos vírus exigem do usuário domínio de linguagem de programação, o que limita a utilização pelos laboratórios médicos e pelos pesquisadores que estão buscando avanços na área.
Desenvolvido com o apoio do CNPQ e da Capes, o SIRA-HIV vem sendo testado no Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ pelo biólogo Guilherme Borba, que o está comparando com outro sistema, o HyDRA Web, já em uso pelo governo canadense. Segundo Guilherme, o sistema brasileiro apresenta algumas vantagens em relação ao canadense.
“Apesar do Hydra também analisar dados de sequenciamento de nova geração, ele fornece apenas as mutações do vírus, não apresentando os níveis de resistência aos medicamentos, o que obriga o usuário a buscar os sistemas internacionais para realizar a classificação manualmente”, explica Guilherme.
Segundo Letícia, o sistema brasileiro já fornece a classificação, dispensando essa última etapa. Além disso, sua análise é mais detalhada devido ao fato de que usa um algoritmo que foi desenvolvido especificamente para caracterização de vírus.
“O SIRA-HIV já foi validado. No momento, estamos realizando os últimos testes de usabilidade, a fim de tornar o sistema ainda mais amigável para o usuário”, conclui Letícia.