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Memória

Os direitos humanos e a laicidade do Estado

Por Yasmine Adoracion
Setor de Comunicação do NEPP-DH

A segunda aula do curso de extensão “Direitos Humanos na Atualidade”, oferecido pelo NEPP-DH, teve como assunto a laicidade do Estado. Ministrada no auditório anexo do CFCH pelo professor Luiz Antônio Constant Rodrigues da Cunha, coordenador do Observatório de Laicidade do Estado/OLE, a sessão abordou temas como a religiosidade nas escolas, na política e também a secularização da cultura.

O professor Luiz Antônio fez questão de frisar a diferença entre a laicidade do Estado, que é a imparcialidade deste diante das disputas religiosas, e a secularização da cultura, que é a adoção de valores no âmbito social.

Luiz Antônio critica a forte presença da religiosidade na Constituição brasileira como fonte de valores morais e atribui o fenômeno à sólida união do Estado ao clero no período monárquico. “A sociedade brasileira surgiu do ‘padroado’, isto é, de uma simbiose entre Igreja e Estado. A laicidade e a liberdade de manifestação pública religiosa só vieram com a República”, pontuou.

Depois de citar casos de discriminação religiosa pelo próprio Estado brasileiro no Império, Luiz Antônio deu exemplos da relação entre a laicidade e a secularização da cultura em diversos países. Segundo ele, a Índia é um estado laico, porém é pouco secularizada devido ao peso da religião nas relações sociais. Falou dos Estados Unidos, país que enxerga como avançado nos dois aspectos, e da Dinamarca: “Na Dinamarca, as relações sociais são secularizadas e há grande tolerância, mas, curiosamente, o Estado é uma monarquia ligada ao luteranismo”.

Ao falar da Constituição brasileira e sua consonância com os principais documentos de direitos humanos que garantem a liberdade religiosa, Luiz Antônio atentou para uma contradição: o ensino religioso obrigatório nas escolas públicas brasileiras, mesmo que facultativo para os alunos – e definiu tal regra como a “forma equivocada que a Igreja Católica, decadente, usa para tentar garantir seu contingente de fiéis na sociedade”. Ainda criticou: “Em algumas escolas, o ensino religioso é obrigatório, inclusive com avaliação, e alguns professores a utilizam para influenciar os demais, com recorrente condenação dos credos não cristãos – sobretudo os afrodescendentes”.

Na parte do debate, o professor aprofundou as críticas a tal regra, e também às manifestações religiosas em órgãos do aparato estatal – portanto laicos – e ao oportunismo político. Este, segundo Luiz, usa a religião para obter eleitorado e ainda discrimina segmentos que não partilham de determinadas crenças – o que frequentemente ocorre com os movimentos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). “Isso tudo é um escárnio à democracia, são segmentos religiosos que querem fazer a mesma coisa que a Igreja Católica fez no passado”, acusou.

Quanto à questão da maior tolerância às crenças em sala de aula, Luiz Antônio enxerga dificuldades devido a fatores como a rigidez dos pais, a depreciação naturalizada da cultura negra – fruto de anos de escravidão e do preconceito cristão –, o despreparo docente, além do crescimento da militância de vários grupos protestantes em harmonia com o oportunismo político e com as mídias de massa.

Ao mostrar uma tabela dos censos dos últimos 50 anos, o professor destacou a decadência do catolicismo, a emergência de outras religiões e também o crescente número de pessoas sem elas. Embora enxergue a transformação de forma positiva, declarou temer que a união entre as mídias de massa, a religião e a política seja um freio à laicidade do Estado.

Ao concluir sua fala, Luiz Antônio condenou a propaganda religiosa na política e disse que é preciso impedi-la: “O grande problema são os homens públicos do Brasil, que se ‘sujam’ de medo dos ‘malafaias’ da vida”.