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Seminário internacional discute fotografia no papel de arquivo

O primeiro dia do seminário internacional “As linguagens itinerantes da fotografia”, promovido pela Escola de Comunicação e realizado no auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, abordou a trajetória da fotografia, focando no seu papel de arquivo. Além disso, o evento se propõe, ao longo dos três dias (26, 27 e 28/10), a circular imagens em âmbito internacional, fazendo com que os espectadores sejam levados a resgatar suas memórias.

Com a apresentação do professor de Fotografia da Escola de Comunicação (ECO), Maurício Lissovsky, e a presença dos professores Helouise Costa, da Universidade de São Paulo, e Eduardo Cadava, da Universidade de Princeton (EUA), o seminário sintetizou o aumento da relevância brasileira no campo das artes.

Helouise, que além de professora, trabalha no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, abordou as múltiplas dimensões das viagens estereoscópicas ao redor do mundo. “Trata-se de uma fonte documental riquíssima, que, entre outros aspectos, mostra os antecedentes das formas atuais de incentivo ao consumo, como revistas, panfletos”, esclareceu.

De acordo com a professora, a estereoscopia, tão antiga quanto à fotografia, é a simulação de duas imagens da cena que são projetadas nos olhos em pontos de observação ligeiramente diferentes. Logo, o cérebro funde as duas imagens e, nesse processo, obtém informações quanto à profundidade, distância, posição e tamanho dos objetos. “Esta técnica é precursora do atual cinema em 3D”, explicou.

O procedimento surgiu em 1851, em uma exposição de Londres e se manteve até 1900. Por serem indissociáveis da pornografia, as imagens estereoscópicas foram renegadas ao baixo escalão da arte. Ainda em 1900, houve uma racionalização da fotografia, na qual o registro das imagens tornou-se mais importante para o jornalismo.

A docente explicou que com este reposicionamento do papel da imagem, o grupo Keystone teve a ideia de direcionar as representações estereoscópicas para as escolas e universidades, valendo-se de um contexto no qual a educação visual estava em alta. Além disso, a empresa produzia kits especiais para professores, com vistas, visor e guia, e para outros profissionais, tais como engenheiros, militares, religiosos.

Helouise disse que a Keystone parou de produzir em 1939, mas continua confeccionando este tipo de material sob encomenda. “A reformulação do uso da estereoscopia fez com que esta técnica passasse a ser vista como algo sério, com fins diferentes de diversão e entretenimento”, ressaltou.

O segundo tema debatido foi “A photographolis de Nadar”, com o palestrante Eduardo Cadava, que reacendeu as memórias parisienses, por meio de uma série de vinhetas nas quais a história da fotografia havia sido renegada.

Para dar início ao assunto, o docente esclareceu o que seria “fotografólis”: “um mundo composto por imagens reproduzidas, simulacros do real”. Cadava citou Balzac para dizer que “todos os corpos são constituídos por espectros fantasmagóricos. Quando um ser é fotografado, um desses espectros sai do corpo e emana para a fotografia. Estas diversas camadas espectrais dos objetos tornam-se mais legíveis nos retratos”.

O palestrante concluiu que “os retratos, então, devem ser lidos, entendidos, captados. Nadar mostra que a fotografia tem uma tendência homicida, já que qualquer coisa, pessoa ou momento registrados são passageiros, tudo irá morrer um dia. Mesmo o Sol que fotografamos sumirá, e um dia não lançará mais seus raios sobre nós”.

Sandra Gonçalves, professora de Fotografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), disse que cada fotografia fala sobre noite e dia, morte e vida. Ela observou, ainda, que Barthes já falava acerca dessa relação dicotômica.

Além de ser um prolongamento do sentido da visão, a fotografia tem o papel de reconstituir as circunstâncias e descontextualizar a realidade nela inscrita. “A foto olha para você. Quando se observa uma foto antiga, de arquivo, você se torna um arquivo, uma vez que resgata suas lembranças, tal qual a imagem”, concluiu.