No último 24 de março, Dia Mundial contra a tuberculose, o ministro da saúde, Alexandre Padilha, lançou em Brasília uma nova campanha para alertar a população do principal sintoma da doença: a tosse. Com a intensificação desse tipo de campanha, a impressão que fica é que a tuberculose voltou a preocupar. A verdade é que, no Brasil, ela nunca deixou de ser um problema.

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Tuberculose, a volta daquela que não se foi

No último 24 de março, Dia Mundial contra a tuberculose, o ministro da saúde, Alexandre Padilha, lançou em Brasília uma nova campanha para alertar a população do principal sintoma da doença: a tosse. Com a intensificação desse tipo de campanha, a impressão que fica é que a tuberculose voltou a preocupar. A verdade é que, no Brasil, ela nunca deixou de ser um problema.

No último 24 de março, Dia Mundial contra a tuberculose, o ministro da saúde, Alexandre Padilha, lançou em Brasília uma nova campanha para alertar a população do principal sintoma da doença: a tosse. Com a intensificação desse tipo de campanha e uma maior exposição midiática da doença, a impressão que fica é que a tuberculose voltou a preocupar. Contudo, a verdade é que, no Brasil, ela nunca deixou de ser um problema.

“Existem algumas falsas verdades a respeito da tuberculose. A primeira é a de que a doença voltou”, afirma o pneumologista  Marcus Conde, chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Tuberculose, do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ). “Ela voltou nos países desenvolvidos: Dinamarca, Holanda, Estados Unidos, Inglaterra. Nos países do Terceiro Mundo, ela nunca deixou de existir, nunca foi embora”.

O histórico da doença é o grande responsável por essa falsa impressão, explica Marcus. Na década de 50, quando a tuberculose começou a ser diagnosticada, o repouso era o remédio. Metade dos infectados morria. Na década seguinte, os tratamentos começaram surgir e as pessoas pararam de morrer por causa da enfermidade, mas, para isso, a internação era necessária. A mudança que resultou no esquecimento da doença veio na década de 70, quando o tratamento passou a ser feito via oral, durante um período relativamente curto (seis meses) e sem necessidade de internação.

“O tratamento é eficaz: os pacientes não precisam se internar e se curam. Mas surgiu a crença de que, no Brasil, o problema estava resolvido”, declara o especialista. O esquema de saúde então vigente desenvolvido para tratar da tuberculose se desarticulou. Houve uma restruturação do Programa de Saúde Pública no Brasil e a tuberculose deixou de ser contemplada: “A tuberculose era um problema resolvido”. Assim, os casos continuavam ocorrendo, mas nem detectados eram, explica o pneumologista.

O que fez os olhos do mundo se voltar novamente para a tuberculose foi o surgimento da Aids, no final da década de 80. Essa doença enfraquece o sistema imunológico e tem como complicação doenças infecciosas, entre elas a tuberculose. Assim, o número de casos de tuberculose voltou a subir. “Em países desenvolvidos, como nos EUA, em que a doença estava praticamente eliminada, ela voltou; e, no Brasil, onde ela nunca tinha ido embora, tornou-se maior ainda”, descreve Marcus Conde.

Resultados

Nessa época, o número de mortos por tuberculose subiu tanto que a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1993, decretou estado de calamidade em todo o mundo. “Só para se ter uma ideia, hoje, depois de 20 anos de trabalho tentando melhorar os números, há, no Brasil, mais de 80 mil novos casos por ano. Imagine naquela época”, ressalta Marcus Conde. O susto foi grande e, devido à falta de uma estrutura responsável, o processo para rearticular o programa de saúde para tuberculose foi lento.

Essa “volta” da tuberculose à pauta do governo e, em consequência, à mídia, nada mais é que o resultado da mobilização de pequenos grupos, como ONGs, para melhorar a assistência à população infectada, conta o especialista: “Nos últimos anos, mirando-se no exemplo do HIV, grupos começaram a se formar para tratar de interesses dos pacientes de tuberculose, como ONGs, organizações sociais, portadores e médicos”.

Uma mobilização em torno da doença se formou e pressionou as autoridades públicas. O resultado são campanhas como essas que vemos na televisão de uns dois, três anos para cá. “O que há agora não é nada diferente do que já havia”, ressalta Marcus Conde do Laboratório de Pesquisa Clínica em Tuberculose, do HUCFF/UFRJ. “É apenas uma pequena, e ainda tímida, mobilização de grupos de apoio social, que contam com profissionais da saúde como eu, que apesar de não trabalhar para o governo, como estou ligado à universidade e esse é o seu papel, questiono e pesquiso”.

Um problema também social

No Brasil, a tuberculose (infecção causada por um microorganismo chamado Mycobacterium tuberculosis, também conhecido por bacilo de Koch) é atendida quase que exclusivamente no Sistema Primário de Saúde. Sem capacidade para absorver a demanda de pacientes, nem estrutura adequada para fazer o diagnóstico, os números só aumentam – o equivalente a um Maracanã lotado despejado todo ano na sociedade, compara o pneumologista.

Chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Tuberculose do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ), Marcus explica que isso ocorre porque a tuberculose está associada basicamente a duas coisas: baixo índice de qualidade de vida e má qualidade do sistema de saúde. “No Brasil, principalmente nas cidades, há bolsões de pobreza (comunidades carentes, favelas). Nesses locais, a transmissão da doença é intensificada”.

Segundo pesquisas no laboratório, ele relata que a média de casos de tuberculose no Brasil é de 45 novos casos para 100 mil habitantes. No estado do Rio de Janeiro, a média sobe para 70. Na cidade, ela vai de 70 para 85. E já no bairro de Ramos, onde fica localizada a favela, o número chega a 120.

Transmissão

O bacilo transmissor da doença é adquirido através do contagio aéreo. A pessoa com infecção pulmonar (a infecção pode ocorrer em outros órgãos, mas em 85 a 90% dos casos é no pulmão), quando tosse, fala ou espirra, libera o bacilo. Essa bactéria fica no ar e ao ser inalado por outra pessoa, ela fica infecta. “Essa infecção é tanto mais grave, quanto mais intenso for a exposição e quanto mais extensa for a doença em mim”,  esclarece Marcus Conde.

“Se eu moro em uma comunidade carente, em um quarto pequeno, sem ventilação, sem sol, com dez crianças, eu tenho tuberculose, sem acesso ao sistema de saúde, nem a instituição a mim, eu demoro a ter o diagnóstico. Assim, eu fico doente por mais tempo, mais grave a doença fica em mim e mais eu contribuo para a infecção de outras pessoas”. É dessa forma que o retardo no diagnóstico faz com que os números da doença aumentem, explica o doutor.

“O sistema de saúde não alcança essas pessoas, nem a comunidade tem acesso a ele”. Essa falha ocorre por mil motivos, detalha Marcus: “Primeiramente, em várias dessas comunidades não é possível se entrar. Segundo, o sistema não recebe amigavelmente as pessoas – elas têm que chegar muito cedo para pegar senha, faltar ao trabalho, gastar dinheiro de passagem. E, depois disso tudo, ao ser atendido e há a suspeita de tuberculose, o médico em vez de fazer o exame de escarro na hora, manda a pessoa voltar e o esforço se repete no dia seguinte”. 

Infraestrutura

O teste de escarro, a única forma de diagnosticar a doença, realizado nas unidades básicas de saúde só detecta de 50 a 60% dos casos de tuberculose. Isso ocorre porque o procedimento de cultura do bacilo não é realizado em todos os casos, o que seria o correto. “Não se faz, porque não existe estrutura no Brasil para fazer isso. Hoje, qualquer médico, qualquer hospital, qualquer ambulatório se nega a tratar infecção urinária sem cultura e teste para diagnóstico. Com a tuberculose não é assim”.

Além da falta de infraestrutura adequada no sistema de saúde, após diagnosticada a doença, o paciente tem que tomar oito comprimidos durante seis meses. “Qualquer pessoa que tem uma doença crônica sabe que é muito difícil tomar oito comprimidos diariamente sem errar durante seis meses”, conta o médico. Fora isso, continua, “ele tem que voltar ao posto uma vez por semana para pegar o comprimido. O que implica dinheiro da passagem e tempo. Sem contar que nem todos têm condições de se alimentar bem, para ajudar no tratamento”, argumenta Marcus Conde.