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Política sobre drogas: avanços e retrocessos

Seminário co-organizado pela Faculdade de Direito debate os avanços e retrocessos das políticas públicas contra o uso de narcóticos.

Foi realizado nesta quinta-feira, dia 23 de julho, o seminário temático Política sobre drogas: avanços e retrocessos, organizado pela Faculdade de Direito da UFRJ, em parceria com a ONG Viva Rio. O evento, realizado na Federação de Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), visou ampliar o debate acerca do combate às drogas – estimulado pelos trabalhos da Comissão das Nações Unidas sobre Drogas Narcóticas (CND), que se reuniu em Viena, em março deste ano, em busca de uma mudança no paradigma repressor e punitivo, que aplicado há décadas na América Latina não afetou o comércio de drogas ilícitas, mas fez aumentar radicalmente a violência urbana e a insegurança pública de maneira geral.

Na condição de representante da Reitoria da UFRJ, José Mauro Braz, professor da Faculdade de Medicina, alertou que o problema em discussão é mais complexo do que aparenta e que qualquer substância pode ser considerada droga, como thinner e cola de sapateiro. Mesmo a asfixia com um saco plástico pode levar a alterações no estado de consciência similares ao uso de estupefacientes. Parafraseando Sartre, Braz afirmou que “as drogas somos nós”. Em sua avaliação, o narcótico, acima de tudo, é um processo pessoal, uma doença biopsicossocial, que não será resolvido com a mera construção de presídios ou clínicas de reabilitação.

O professor destacou ainda que a universidade pode e deve participar do esforço de solução dessa chaga social, graças à sua única combinação de ensino, pesquisa, extensão e assistência médica. Neurologista, Braz mostrou ter o pensamento interdisciplinar – defendido por todos os palestrantes –, tido como crucial para o estabelecimento de uma política eficaz sobre as drogas. “A genealogia das drogas está ligada à genealogia do mal-estar da nossa civilização”, conceituou.

Drogas e segurança pública 

Co-responsável pela organização do seminário, Luciana Boiteux, professora de Direito Penal da Faculdade de Direito da UFRJ, iniciou sua palestra esclarecendo o conceito de “segurança pública”. Em sua visão, o termo está contaminado por estereótipos, lugares-comuns e o maniqueísmo entre o Bem (comportamento socialmente recomendável) e o Mal (aqueles que transgridem esse modo de agir aceito pela sociedade). Boiteux explicou que o termo abarca duas proposições: a relação entre segurança e criminalidade e a simbiose entre segurança do indivíduo e a do Estado.

Boiteux considera o Brasil um país de proibicionismo moderado, que se vale da incriminação e punição da posse e do tráfico de drogas, tendo como foco o controle penal. A professora criticou a política norte-americana de encarceramento em massa, cujo modelo de aumento da repressão e das estatísticas prisionais tem sido seguido na América Latina e no Brasil, ainda que num grau muito menor, ampliando um problema que deveria atenuar.

Ao contrário do que o senso comum costuma levar a crer, as estatísticas demonstram que a maior parte dos encarceramentos ligados ao tráfico de drogas não atinge quadrilhas ou grandes facções criminosas, e sim varejistas, que vendem o entorpecente em pequenas quantidades. Na maior parte dos casos, esses pequenos vendedores são presos, sozinhos, desarmados e não possuem antecedentes criminais.

Como explica Boiteux, “em qualquer lugar do mundo, o varejista é mais fácil de prender”. Além disso, “a repressão serve como pretexto para maior intervenção e aumento da letalidade das operações policiais. As operações no Rio são contraproducentes. Não inibem o mercado ilícito, poucos são presos e muitos são mortos”, avalia a professora.

No entendimento da penalista, a segurança pública deveria ser sinônimo de segurança humana. Como propostas para a mudança de paradigma nas políticas públicas sobre as drogas, Boiteux recomenda a busca de alternativas para os varejistas se reinserirem na sociedade formal. Entre elas, o aumento de investimentos na política de reparação de danos ao usuário, a descriminalização do uso não-problemático de drogas, a delimitação de quantidades na diferenciação entre usuário e traficantes e a diferenciação no enquadramento penal para o comércio de drogas leves e pesadas.

A professora Luciana Boiteux é co-responsável pela parceria entre a UFRJ e a UnB na produção de uma pesquisa sobre tráfico de drogas e a Constituição, que será divulgada no começo do agosto.