A Faculdade de Letras realizou ontem, 18 de março, a aula inaugural com Eduardo Portella, ex-ministro da educação e cultura e atual professor emérito da UFRJ, que proferiu a palestra Repensando a Democracia. O evento comemorou os 40 anos da faculdade e teve ainda a participação de Ronaldo Lima, diretor da unidade e Cícero Sandroni, Presidente da Academia Brasileira de Letras.
A escolha de Eduardo Portella se deve à sua ampla participação na formação do que é hoje a Faculdade de Letras. Fundador da pós-graduação, esteve à frente da construção do prédio, antes localizado na avenida Chile, e é autor de diversos títulos adotados no meio literário. Atual membro da Academia Brasileira de Letras, o professor já foi secretário de educação e ex-diretor da UNESCO. Um intelectual notável e respeitado no ambiente acadêmico.
– A aula inaugural é um evento importante porque permite aos alunos terem referência sobre o modelo de comportamento intelectual e habilidade na exposição dos assuntos. O tema da democracia é extremamente atual e precisa ser pensado, pois a damos como pronta e acabada, quando na verdade ela enfrenta crises. É um processo em curso e que envolve a todos nós –, declarou Ronaldo Lima.
Eduardo Portella iniciou a palestra revivendo memórias que lhe são importantes e falando um pouco sobre a história de formação do prédio e das dificuldades encontradas na época. A Faculdade de Letras foi criada em 1968 após o desmembramento dos cursos do Departamento de Letras da antiga Faculdade Nacional de Filosofia e transferida para a Ilha do Fundão em 1985.
Ao direcionar seu discurso para a temática principal, o palestrante declarou: “Acho que a democracia anda obstaculizada em todo o mundo. Basta observarmos as últimas eleições nos outros países. Em Portugal, tenho a impressão de que os resultados não foram totalmente satisfatórios. Na França, houve uma democracia com incursões de marketing, de sucesso, e apelo às figuras femininas, não levando em consideração os princípios fundamentais dessa forma de governo. Isso nos mostra que a crise não ocorre apenas na América Latina.”
No Brasil, essa situação está ainda pior devido ao alto grau de improvisação e ausência de pessoas capazes tecnicamente de exercerem suas funções administrativas. Hoje em dia, os problemas ocorridos em determinado país não são apenas nacionais, e sim internacionais. É preciso um governo que saiba contornar essas implicações, o que não pôde ser observado nos últimos anos. “A simpatia pessoal não substitui a competência técnica para gestão de determinadas áreas” –, alertou o professor.
Eduardo Portella dedicou um trecho do seu discurso aos intelectuais, que antes eram vistos sob a ótica romântica como alienados, e que hoje são missionários, engajados em alguma coisa. No entanto, a intelectualidade, como informou, está afastada dos sistemas de governo. Sua palavra perdeu o poder. Qualquer pessoa pode ser chamada como tal, não importa o número de livros que já tenha lido ou títulos publicados. “Estamos na era da freqüência e da audiência. É isso que importa, e não mais os textos. Esse intelectual midiático é inútil. O acadêmico não enfrenta crises” –, lamentou.
Ao usar termos referentes à medicina, Portella classificou o atual estágio da democracia como uma enfermidade. A divergência de opiniões, que deveria ser enriquecedora e debatida, sobretudo em épocas de eleição, não é mais. O que se observa são agressões verbais e a busca por um culpado para os problemas do país.
O professor falou ainda da necessidade atual em se adjetivar essa forma de governo e criticou aquilo que vem sendo observado pela sociedade: uma democracia imobilizada, manipulada por poucos e dissociada do desejo de todos.
– Deveríamos ouvir mais. No momento em que não pensamos, seja por inércia, comodismo ou indiferença, decretamos a falência da identidade. O processo identitário de uma cultura passa necessariamente pelo outro. Precisamos reconstruir a democracia na América Latina baseada no princípio da alteridade, para que então possamos compreender o outro –, aconselhou.
Com o passar dos anos, os países se distanciaram do que se costuma chamar de tripé republicano, ou seja, dos ideais firmados durante a Revolução Francesa e que resumem como o regime deve ser: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Ao final do evento, Eduardo Portella definiu com suas próprias palavras, o que é a democracia e pediu a todos os ouvintes que refletissem sobre isso. “A democracia é a parceria criativa ideal entre o homem e seu entorno cultural e natural”.