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Em palestra no Rio de Janeiro, Patch Adams mostrou que o amor é contagioso

Manhã fria de domingo cinzento. Era o que se via no dia 2 de setembro, na Lagoa Rodrigo de Freitas, na cidade do Rio de Janeiro, onde fica o Clube Monte Líbano, sede da palestra “Humor e saúde” com Patch Adams. Poucas pessoas se exercitavam ou passeavam, o tempo estava mesmo para ficar em casa. No entanto, ao entrar no auditório onde aconteceria, em poucos minutos, uma descontraída conversa com o médico imortalizado por seu trabalho inusitado em unir amor, amizade e humor para tratar seus pacientes, esquecia-se o frio, o vento e o cinza daquele dia. Pela lotação máxima, algumas poucas pessoas ainda faziam fila na esperança de alguma falta ou desistência para também poderem ser contagiados pelas palavras que Hunter Adams falaria durante quase três horas. Três horas que passaram despercebidas dentre as histórias de vida e de trabalho, que chegam a se confundir.

De ar bem humorado e uma roupa pra lá de colorida, o médico iniciou a palestra com uma pergunta: “Quem de vocês ainda não descobriu que o humor é um ótimo remédio?”. Se referia a inúmeras pesquisas feitas e até questionadoras de seu modo de trabalho, em relação à metodologia não convencional de atuação e ainda completou: “Não diria como os jornalistas, que adoram frases de efeito, que o riso é melhor remédio. A amizade é o melhor remédio, mas o humor é um ótimo meio de se aproximar das pessoas para amá-las.”

Demonstrando postura crítica diante das atitudes de seu país, já que é norte-americano, Patch Adams contou ainda um pouco de sua história, revelando que seu pai faleceu quando ele tinha ainda 16 anos, durante uma guerra. “Meu pai era militar e perdeu a vida na guerra, já que os EUA adoram matar gente ao redor do mundo. Por isso, eu e o restante da minha família, que vivíamos fora do país, retornamos. Assistir uma sociedade altamente racista e preconceituosa partiu ainda mais meu coração, já machucado pela morte do meu pai. Um país que se intitula a ‘terra dos livres’ não respeitava suas diferenças sociais e isso eu não suportei”, explicou Patch Adams.

Em conseqüência de uma vida infeliz, por rejeitar o modo de organização social em que tinha que viver, ainda jovem, Hunter Adams tentou suicídio por três vezes, num só ano, o que o levou à internação em uma clínica psiquiátrica, por vontade própria. “Nesse período minha vida mudou. Descobri que você não se mata pra mudar as coisas, você faz revolução”.

A partir daí a trajetória já conhecida do médico começou a tomar forma e Adams dedicou seus dias para se tornar um instrumento de vida. “Comecei com brincadeiras bobas em elevador, tudo para me aproximar das pessoas, fazê-las rir, ter uma vida melhor.” A sua vontade de transformação ele uniu uma vestimenta divertida, além de acessórios de animador, trouxe para a prática médica uma humanização que, segundo ele, é escassa.

Adams ainda contou de suas experiências em guerras, em países pobres e repletos de conflitos, mostrou que a importância do trabalho dele está exatamente em alcançar o que parece impossível. “Assistir africanos refugiados, sem moradia e em péssimas condições de vida e saúde, se divertirem com o meu trabalho e dos voluntários me mostra o porquê de viver”.

Explicando um pouco sobre o tema da palestra, “Humor e saúde”, o médico declarou acreditar que o cerne de todas as grandes relações pode ser o humor e que brincar pode sim salvar vidas. A medicina, para ele, é uma profissão conceituada figurante no topo de uma hierarquia, o que permite ao médico certo distanciamento e indiferença. No entanto, a medicina  existe exatamente para tratar de pessoas, não somente de doenças, já que não está circunscrita a um laboratório; por isso ele acredita tanto no que faz. Para Hunter Adams, desconhecer e se afastar do paciente significa não permitir o tratamento adequado que cada indivíduo necessita e merece ter.

Descrevendo um pouco mais sua trajetória, explicou que ao entrar para a medicina seu interesse era fazê-la meio de transformação social e, ao longo dos anos, percebeu a população pobre sem atendimento adequado. Por isso ele luta para conseguir abrir hospitais, seguindo suas idéias de trabalho, capazes de dar o atendimento a todos os que não possuem assistência. A intenção dele, na verdade, não é somente atender e cuidar dos pacientes, é fazer com que esses se sintam parte de algo, é permitir uma relação de amizade, amor e não de dívida eterna.

– Ser bom ouvinte, ter compaixão e atenção, além de nunca demonstrar pressa são fatores essenciais numa consulta médica, destacou Patch Adams. Por essas razões é que sua primeira consulta durou cerca de quatro horas. “Quis me certificar sobre tudo na vida do meu paciente, não só aspectos de sua doença, mas características da vida que ele levava”, garantiu.

Para ele violência, pobreza, política, meio ambiente e saúde fazem parte das questões médicas e devem ser consideradas. “É por isso que cuidar é uma experiência de êxtase.” Por isso acredita no envolvimento profissional de modo algum separado de um envolvimento pessoal. “Quem aqui não quer transformar o mundo em uma coisa melhor, quem não quer ser um médico, uma enfermeira ou um melhor profissional de qualquer outra área?” A resposta foi unânime e seu discurso parecia mesmo deixar em todos uma vontade imensa de transformar o mundo, transformar um pouco as relações que travam no dia-a-dia.

Ao final, depois das perguntas, que serviram propriamente para agradecimentos e declarações de admiração, o público parecia deixar o auditório levando parte da experiência e parte da vontade motriz de todos os anos de trabalho desse médico. Os presentes pareciam mesmo levar um pouco de Patch Adams pra casa.