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A polissemia abre o I Seminário Leitura, Escrita e Educação

A inauguração do “I Seminário Leitura Escrita e Educação: perspectivas da leitura na Educação Básica”, ocorreu nessa quinta-feira, 16 de agosto, no salão Pedro Calmon, localizado no campus da Praia Vermelha.

O evento realizado pelo Laboratório de Estudos de Linguagem, Leitura, Escrita e Educação da UFRJ – LEDUC, com apoio da Fundação Universitária José Bonifácio – FUJB e do Banco do Brasil, tem como objetivo reunir todos os professores – desde aqueles que ainda não aprenderam a lecionar, até os que possuem alunos – em torno do tema da leitura na escola, para destacar a importância da pesquisa na área de educação além do ensino: “A proposta é que o professor reaprenda a lidar com o jovem, visando à otimização do resultado na formação do aluno contemporâneo”, disse Ludmila Thomé de Andrade, coordenadora do LEDUC e organizadora do evento.

A mesa de abertura teve como tema A leitura e sua polissemia: concepções e práticas sociais, que contou com os palestrantes Maria Luiza Oswald (UERJ), Rui de Oliveira (Escola de Belas Artes – EBA/UFRJ) e Raquel Goulart Barreto (UERJ), sob mediação de Marcelo Corrêa e Castro, decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas – CFCH/UFRJ.

A professora da Faculdade de Educação da UERJ, Maria Luiza Oswald, iniciou a palestra ressaltando a relevância da polissemia no ato de ler e sua influência na percepção do interlocutor: “A leitura permite que vislumbremos as mudanças de configuração, dependendo das práticas sociais nas quais elas estão inseridas. Para mim, a leitura pode ser comparada a um caleidoscópio, que ao ser girado percebem-se mudanças significativas. Fica impossível falar de leitura sem pensar na polissemia desse termo”, declarou. Aproveitando seus trabalhos em linhas de pesquisa sobre leitura escrita, a professora escolheu dois fragmentos de estudos que explicam a questão polissêmica na atualidade.

A pesquisa do Departamento de Educação da PUC, sob a coordenação de Sonia Kramer e findada em 1999, tinha como título Cultura, Modernidade e Linguagem: o que lêem e escrevem futuros professores e seus mestres. Maria Luiza registrou a observação de três escolas de formação de professores: Branco (rede particular), Carmim e Azul (rede pública). Essa pesquisa tenta constatar que a modernidade empobreceu a experiência, a qual era cultivada através da oralidade (O Narrador – Walter Benjamin). A análise dos dados finais levou a equipe de pesquisa a perceber a forte ênfase no “ensinar a ensinar a ler” dessas escolas de formação de professores. Tal preocupação é incoerente com o conceito de leitura como experiência, que consiste na relação leitor – livro, acabando por envolver o primeiro em toda a narrativa: “Ao invés de lerem, as alunas aprendem a ensinar as crianças a ler. Se o termo da leitura é polissêmico, então que parte da leitura seria essa, que impõe aos aprendizes e a seus professores uma relação tão burocrática com o ato de ler?”, indagou Maria Luiza.

No Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ a pesquisa entitulada Infância, Juventude e Indústria Cultural: sociedade, cultura e mediações – imagem e produção dos sentidos está em andamento, sob coordenação da própria palestrante. Esse projeto tenta investigar as relações que os jovens estabelecem com a cultura das mídias, mais especificamente com Video-games nipônicos, “Mangás” e “Animes” (gibis e desenhos animados japoneses, respectivamente). As conclusões do estudo são passíveis de alteração, visto que a pesquisa ainda não foi finalizada, mas Maria Luiza adianta que a indústria de entretenimento japonês valoriza a importância da leitura como vivência: “Ler como quem está vendo um filme, leituras que ‘andam’, textos rápidos, é totalmente coerente com o modo de ser e de viver desses jovens leitores de ‘Mangá’”, observou a professora.

O ilustrador e professor da Escola de Belas Artes da UFRJ, Rui de Oliveira, abordou a relação texto – imagem, utilizado sua obra como exemplo; mostrou o quão polissêmicas são suas ilustrações, devido ao grande leque interpretativo; e deixou claro que a multiplicidade de seus desenhos também está na imaginação artística, já que permite que o interlocutor complete as subjetividades das ilustrações.

Rui revelou não acreditar no ilustrador que não gosta de ler, visto que considera seus desenhos uma tradução do texto através de imagens. Para o professor, o texto é o roteiro e o ilustrador é o ator: “Não me atenho a um estilo fixo. As várias interpretações do ator correspondem à multiplicidade estilística do desenhista”, disse.

O ilustrador considera os chamados moleskines – desenhos aleatórios – fundamentais para o processo criativo: “O ato de desenhar é premonitório, basta desenhar por desenhar”, declarou. É através dos moleskines que Rui tem a maioria de suas idéias para as ilustrações: “Sempre se encontra o objetivo passando antes pelo subjetivo”, afirmou. Além dos desenhos diferenciados e ricos em detalhes, a mais atraente característica do trabalho de Rui são as tipografias dos títulos criadas especialmente para cada texto: “Eu sou egoísta, não vou deixar que um computador faça algo tão meu”, confessou.

O professor comentou seu livro mais polêmico: Chapeuzinho vermelho e outros contos por imagem que, segundo ele, foi eleito pelas crianças de uma bienal o mais assustador: “A função do ilustrador é criar o sonho, a memória feliz, o imaginário lírico, mas também é criar pesadelo”, declarou. Rui está convencido que o compromisso dele é apenas com o público infantil, portanto mantém-se fiel à história original, mesmo que vá de encontro ao que foi estabelecido: “Os contos de fada permanecem eternos porque são obras de arte. A versão original de Chapeuzinho Vermelho é erótica e a desenhei assim. É próprio da criança exigir que a história seja contada como foi concebida, mesmo que cause estranhamento”, declarou Rui de Oliveira.

Raquel Goulart Barreto, professora da Faculdade de Educação da UERJ, sugeriu um maior contato entre professores: “É fundamental que os trabalhos que estão sendo construídos no dia a dia da sala de aula sejam mais trocados entre nós professores”, afirmou. Para Raquel, possibilitar uma melhor compreensão está em criar uma ponte entre a leitura e o contexto conjuntural: “Existe uma dificuldade de unir tudo o que está acontecendo [atualidade] à vivência na sala de aula. Conquistar isso é poder construir, de baixo para cima, uma outra proposta que corresponde a realidade que vamos discutir”, explicou.

A professora comentou que há uma tensão entre paráfrase e polissemia, ou seja, não há como uma se destacar da outra: “Nós escrevemos textos para leitores imaginários. Após ‘nascer’, esse texto ‘cai’ na vida, com inúmeras possibilidades de outras leituras”, disse. Mas Raquel entende que existem casos em que a polissemia não cabe: “Uma coisa é Machado de Assis deixar no ar se Capitu traiu Bentinho ou não – material suficiente para estudos infindáveis em Dom Casmurro; outra coisa é um manual de instruções que não possua o mínimo de clareza, que permite a polissemia, é um prenúncio de um acidente doméstico”, afirmou.

Porém o otimismo da professora apoia as novas tiragens literárias: “Existem livros tão óbvios que são resistentes à discussão. Mas os textos mudaram, inclusive porque os suportes atuais permitem configurações textuais muito diferentes das formas que conhecemos na cartilha e na nossa própria vida escolar. Os textos agora têm, para alguns autores, distintas ordens de materialidade, outras formas de semiose e múltiplas linguagens”, declarou Raquel Goulart.

O “I Seminário Leitura Escrita e Educação: perspectivas da leitura na Educação Básica” finaliza sua programação nessa sexta-feira, 17 de agosto. Às 9h, apresenta A leitura na escola: espaços, escolas e mediações docentes, com a mesa formada por Graça Paulino (GPELL / UFMG), Lêda Maria Fonseca (SME / CEAT / LEDUC) e Ana Lucia Soutto Maior (CAP-UFRJ). Às 14h, o tema Ensino de leitura: educação infantil, alfabetização, ensino fundamental e médio será abordado por Marlene Carvalho (UCP), Telma Ferraz Leal (UFPE / CEEL) e Ana Beatriz Domingues (CAP-UFRJ).