Pesquisadores da UFRJ desenvolveram novas técnicas para agilizar a análise de drogas inalantes na composição das amostras apreendidas pelas autoridades brasileiras. Em decorrência, um acordo de colaboração técnica foi firmado entre o Núcleo de Análises Forenses (NAF), do Laboratório de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico, do Instituto de Química (IQ) da UFRJ, e a Secretaria Estadual de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro.
Coordenada pela professora Gabriela Vanini Costa e pelo professor Francisco Radler de Aquino Neto, a pesquisa é desenvolvida desde 2021. Segundo Ananda da Silva Antonio, uma das pesquisadoras do NAF, a ausência de atualização na metodologia empregada pelos órgãos internacionais de controle e prevenção às drogas de abuso se deve, principalmente, à subnotificação de dados acerca das drogas inalantes e ao fato de serem consideradas menos nocivas que outras drogas, como o ecstasy e a cocaína.
“Desde 1997, os métodos destinados à análise de inalantes no contexto da química forense não sofreram atualizações. Uma das vertentes de nosso acordo de colaboração com a Polícia Civil inclui a capacitação dos peritos em métodos de análise mais avançados que os tradicionais”, ressalta a pesquisadora.
Com a parceria, o método aplicado para análise de drogas inalantes tem utilizado as técnicas de cromatografia gasosa e espectrometria de massas, alcançando o desempenho de métodos empregados na elucidação de solventes voláteis. A avaliação criteriosa é otimizada pelo método preconizado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). O resultado mostrou que foi possível reduzir o tempo de análise pela metade e ainda aumentar a resolução da separação dos constituintes presentes em drogas inalantes, o que é um fator fundamental para sua correta identificação e futura quantificação.
Componentes diferentes
A pesquisa mostrou que, durante a análise de amostras de drogas inalantes apreendidas no Rio de Janeiro, foi possível identificar 21 compostos distintos, dentre os quais o tricloroetileno, o diclorometano e o clorofórmio. Vale ressaltar que esses três constituintes majoritários são altamente tóxicos quando inalados, sendo inclusive considerados agentes cancerígenos. A elucidação sobre a composição química de drogas apreendidas no Estado tem ainda como uma das principais vantagens a contribuição com a inteligência policial.
Em nível nacional, a composição química do popularmente conhecido como “cheirinho da loló” apresenta distinções, dependendo do estado e ano de apreensão. Entre 2007 e 2011, o clorofórmio era o principal constituinte das drogas inalantes apreendidas em Pernambuco. Em 2015, o tricloroetileno foi o constituinte majoritário encontrado no loló em São Paulo. Já entre 2014 e 2019, o constituinte mais frequente na Paraíba foi o diclorometano. No Rio de Janeiro, a Polícia Civil verificou que no período anterior à pandemia de covid-19 o constituinte prioritário era o tricloroetileno – antirrespingo de solda.
A predominância de diclorometano nas amostras analisadas pelos pesquisadores pode estar relacionada à Lei no 8.536, de 27 de setembro de 2019, do estado do Rio de Janeiro, a qual aumentou a fiscalização sobre a venda de produtos que contenham tricloroetileno, como tentativa de refrear a fabricação de drogas inalantes no estado. Ananda ressalta que, com base nas informações do perfil químico, as políticas públicas de contenção do tráfico de drogas podem ser atualizadas de forma eficiente.
Problema de saúde pública global
O abuso de drogas inalantes envolve uma questão global de saúde pública, principalmente no que se refere à população de crianças e adolescentes. As drogas inalantes consumidas no país são conhecidas como “loló do mal”, “loló”, “cheirinho de loló” ou “lança-perfume” e são produzidas a partir de produtos lícitos, como removedor de tinta.
Como os usuários de drogas inalantes são, principalmente, jovens entre 15 e 21 anos, os danos causados podem ser tão perigosos quanto os de outras drogas. Além do potencial cancerígeno a longo prazo, o tempo de inalação e da concentração dos solventes presentes na droga podem causar uma condição conhecida como “morte súbita por inalação”, quando os efeitos dos solventes no sistema nervoso central causam um aumento rápido e irregular nos batimentos cardíacos, acarretando ataque cardíaco fulminante.
No Brasil, infelizmente não existem dados epidemiológicos específicos sobre o cheirinho da loló. Apesar das políticas públicas, o país ainda enfrenta um cenário de subnotificação de ocorrências. Como o loló é uma droga de abuso relativamente barata, a maior parte dos consumidores são pessoas abaixo dos 21 anos e grupos sociais vulneráveis, como jovens em situação de rua.
Estima-se que, entre os jovens entre 8 e 12 anos em situação de rua, 24% deles já tenham feito o consumo de loló ou lança-perfume. Os brasileiros configuram a maior parte dos consumidores das drogas inalantes nas Américas. De acordo com o II Relatório Brasileiro sobre Drogas, as regiões Sul e Sudeste do país concentram os maiores índices de usuários.
No Rio de Janeiro, o Laboratório de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico, do Instituto de Química da UFRJ, é o único a trabalhar nessa linha de pesquisa. Poucos laboratórios brasileiros têm investido no tema, principalmente devido a fatores como subnotificação, baixa quantidade de profissionais e grande atenção que as drogas sintéticas demandam. O trabalho foi apoiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), vinculada à Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, no âmbito do Programa Redes de Pesquisa em Saúde.
Com informações da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).