Com a pandemia, o temor de muitos era o de carregar o vírus da covid-19 e contaminar os seus familiares. Mas o medo não é o mesmo com a tuberculose, doença infecciosa por um único agente etiológico − e o mais letal do mundo. Descoberto em 1882, o bacilo de Koch, bactéria causadora da tuberculose, está presente em quase um quarto da população mundial, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Hoje, 24/3, Dia Mundial da Tuberculose, a enfermidade ainda é um desafio para o mundo. O Brasil é um dos países com maior incidência da doença, com mais de 70 mil casos novos por ano. Por isso, o projeto ExpandTPT quer capacitar 1.500 profissionais da saúde para aumentar o tratamento preventivo no país, evitando mais adoecimentos e mortes.
A ação é uma parceria entre a Coordenação-Geral de Vigilância da Tuberculose, Micoses Endêmicas e Micobactérias não Tuberculosas do Ministério da Saúde, a Rede Brasileira de Pesquisas em Tuberculose (Rede-TB) e o Centro Internacional de Tuberculose da Universidade McGill, no Canadá. A professora Anete Trajman, da Faculdade de Medicina (FM) da UFRJ, é a responsável pela capacitação. Segundo ela, o objetivo é “conseguir fazer com que médicos, enfermeiros e agentes comunitários sejam mais ativos na busca dos que tiveram contato com alguém com a tuberculose ativa, porque eles podem estar infectados e podem desenvolver a doença”. A capacitação será em cinco capitais: Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus, Recife e Porto Alegre, cidades com muitos casos de tuberculose e que possuem um histórico de colaboração com o Ministério da Saúde.
A tuberculose
Causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, também conhecida como bacilo de Koch, a tuberculose acomete os pulmões e outros sistemas. Estes são alguns dos sintomas da doença:
- tosse seca ou com secreção;
- tosse com sangue;
- dor no tórax;
- fadiga;
- febre e sudorese noturna (suor de febre);
- falta de apetite.
Segundo a OMS, 10,6 milhões de pessoas adoeceram por causa da tuberculose e 1,6 milhão morreram no mundo em 2021. Neste mesmo ano, no Brasil, de acordo com o Boletim Epidemiológico Especial da Tuberculose, 4,7 mil pessoas morreram e 67 mil casos foram registrados em 2020, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Por conta da pandemia e da alta demanda pelos serviços públicos, os dados podem estar subnotificados. A professora afirma que a estratégia mais eficaz é a prevenção, de acordo com modelos matemáticos da OMS.
A fim de evitar quadros graves de tuberculose, existe a vacina BCG, que não atinge toda a população brasileira. Em 2021, o índice de vacinados foi de apenas 75% e, em 2022, 88%. Apesar disso, no ano passado, a vacinação de BCG foi a única do calendário básico infantil a alcançar a meta de vacinar 90% dos bebês menores de um ano. Ainda que, na vacinação, o caminho seja promissor, o imunizante não impede que pessoas sejam contaminadas e desenvolvam tuberculose.
“A gente só vai eliminar a doença quando conseguirmos prevenir que as pessoas venham a adoecer”, afirma Trajman.
O Brasil, por meio do Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública, estabeleceu, como meta para 2035, reduzir a incidência da doença em 90% e o número de mortes em 95%. Para isso, segundo a professora, é preciso realizar o tratamento preventivo, abordando todas as etapas da cascata do cuidado da infecção latente, que consiste em identificar se teve contato com alguém que desenvolveu tuberculose, realizar o teste e, se positivo, fazer exames para afastar a doença em atividade, indicar o tratamento, iniciá-lo e completá-lo.
Descontinuidades
De acordo com estudo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com a participação da professora Anete Trajman, das 39.973 pessoas em TPT (tratamento preventivo de tuberculose) entre 2018 e 2020, 8,5 mil delas não deram continuidade ao tratamento. No quesito raça, os pretos e pardos foram os que menos terminaram o TPT: 24,5% e 22% respectivamente. Já entre os brancos, 20,6% seguiram tratando a doença. Entre as explicações para essa diferença está a desigualdade social:
“Não é porque a pele é mais escura que a pessoa abandona mais; é porque, infelizmente, essa pessoa pode ter menos recursos e menos facilidade de acesso ao sistema de saúde. Às vezes, a pessoa não tem nem o dinheiro para se deslocar até o centro de saúde ou não tem tempo, e tempo também é dinheiro. Quando a gente faz estudos econômicos em saúde, a gente considera, como perda, o tempo, porque isso é um ‘custo de oportunidade’”, destaca a professora.
Além da questão social, os remédios utilizados e o tempo de tratamento preventivo também interferem na continuidade do processo. A rifampicina gera menos efeitos adversos e pode ser usada em um período mais curto, de quatro meses em vez de seis meses, como era recomendado no antigo TPT com o isoniazida. A prescrição de rifampicina tem aumentado a adesão ao tratamento: a taxa de completude é de 86% contra 78% do isoniazida. Outro regime recém-adotado pelo Ministério da Saúde é o 3HP, com apenas 12 doses (uma por semana) de rifapentina e isoniazida.
As pessoas entre 15 e 60 anos de idade também têm resistido à prevenção da tuberculose. Segundo Trajman, é possível que a causa seja a falta de elucidação dos médicos aos pacientes sobre a gravidade da doença. Com isso, ocorrem as desistências.
O projeto ExpandTPT, além de capacitar profissionais, planeja distribuir materiais educativos e melhorar os testes para identificar a tuberculose e alcançar a meta do Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública.