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Vida que segue: eu tive câncer de mama na pandemia…

Em artigo, a pesquisadora Chrystina Barros conta sua experiência como paciente oncológica

Estamos no outubro rosa, depois do setembro amarelo, e em breve teremos o novembro azul.

Mas o que essas cores querem dizer?

Especificamente na saúde, essas campanhas buscam colocar em voga um tema, uma doença, um aspecto da vida da gente que precisa ser encarado com seriedade, por todos nós, em meio ao calendário gregoriano que dita o nosso ritmo diário.

Pois bem… No mês de outubro, nos lembramos dos impactos do câncer de mama. Em um ano, aliás, em quase dois anos em meio a uma pandemia, a covid-19 ocupou manchetes e nossa mente, nos adoeceu física e espiritualmente, deixando muitos se esquecerem de que a vida segue com outras nuances, positivas ou não.

E nesse meio de pandemia, com toda a loucura do medo da covid, das mudanças de trabalho, do jeito de nos relacionarmos, de nos trancarmos em casa contra um vírus invisível, mas poderoso, foi no autoexame durante o banho que um caroço me fez lembrar de que outras coisas continuavam a existir.

Sim, descobri um câncer de mama no meio da pandemia, e tudo bem. Veio o susto, a quebra mais uma vez da sensação de superioridade, afinal sou enfermeira e, por muito tempo, cuidei de quem tinha câncer. Isso me “vacinava” contra essa doença. Só que não. Digo e repito sempre – a diferença entre ser paciente ou profissional de saúde é apenas uma questão de circunstância.

De acordo com o Inca – Instituto Nacional do Câncer –, no Brasil, todos os anos são mais de 66.000 novos casos de câncer de mama, o mais comum e o que mais tira as nossas vidas. Estima-se que pelo menos 4.000 mulheres não tenham feito seu diagnóstico, pelas restrições e medos da vigência da pandemia, somente em 2020.

O diagnóstico tardio pode significar mutilação, sofrimento, espalhamento da doença, tornando-a de prognóstico reservado, duro, mais difícil do que a notícia já é.

Tive e tenho muitos privilégios, em um mundo de muita fome e pobreza. Além do alimento, do sustento pelo meu trabalho, tenho acesso à saúde suplementar e conheço muita gente. Alguns dirão que isso facilitou minha jornada. Sim, me senti muito à vontade em ter amigos oncologistas assumindo o papel de propor o meu cuidado. Mas nunca deixei de ser uma pessoa com medos e angústias. O que faz a gente se ver de maneira diferente é o exercício da fé, da crença, da força, da família, do milagre que é todos os dias acordarmos e vermos a luz do sol nos aquecer.

Chrystina Barros | Foto: Acervo Pessoal

Enfrentei o processo de diagnóstico, a cirurgia, a radioterapia e o que mais foi e continua sendo necessário por, pelo menos, cinco anos de cabeça erguida para a vida. A gratidão se apresenta renovada, sim, com receios e medos do futuro. Mas que futuro é esse que me ocupa hoje? Que certezas são essas de que precisamos ter e nos consomem, tirando energia das sensações que se mostram agora?

E esta pandemia nos colocou tão diante de nossa fragilidade que passamos a querer certezas. Quando vai acabar? Quando chegará a vacina? Quando tomarei a vacina? Quando poderei tirar a máscara? Sem problemas de fazermos as perguntas, mas nas respostas queremos certezas nas quais só existem probabilidades.

E, nessas probabilidades, que possamos viver a vida.

Se ano passado eu sobrevivi ao covid e a um câncer, tenho motivos para agradecer hoje e seguir até que uma causa externa, outra doença ou uma recidiva coloquem fim na minha trajetória. Ninguém sabe.

Não se perde a batalha contra o câncer. Ele é apenas mais uma possibilidade concreta da nossa finitude, mas, até para isso, temos o cuidado como aliado na vida.

Se na covid as vacinas e máscaras se sustentam como ferramentas desse cuidado, no câncer podemos ter hábitos saudáveis que ajudem a diminuir chances, mas elas nunca serão nulas. Sobre câncer de mama, sim, o diagnóstico precoce cumpre esse papel e, independente das cores do mês, faça seu autoexame. Se reconheça. Não procure um câncer, mas procure conhecer você. Porque quanto mais cedo nos percebermos diferentes, maiores as chances de lutar e superar essa etapa como eu superei, ou melhor, vivi e vivo… Ainda que só por hoje, porque a vida é um baile, uma dança cheia de ritmos diferentes, nos convidando a um novo próximo passo.

Mulheres, façam o autoexame todos os meses, de uma semana a 10 dias após a menstruação começar. Anualmente, façam a mamografia e, mesmo com resultado normal, não relaxem em se examinar. Procurem acesso, procurem ajuda, procurem vida. Com certeza haverá amor a sua volta, surgindo de onde menos se espera, renascendo de onde tenha se acalmado ou simplesmente com um mundo de gente te acolhendo na jornada. Por isso estou aqui compartilhando minha história com vocês. E, se valer para uma pessoa, já ganhei meu sorriso de hoje.

Saúde e proteção para todos nós!

Chrystina Barros é pesquisadora do Centro de Estudos em Gestão de Serviços de Saúde (CES) da UFRJ e integrante do Grupo Técnico (GT) de enfrentamento à covid-19 da UFRJ