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Telenovelas, Chacrinha e reality shows no mesmo evento

Com apoio da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ e do Centro de Investigação em Artes e Comunicação (Ciac), a Universidade do Algarve (UAlg) e a UFRJ realizaram, com apoio do Globo Universidade, o evento “Estudos de televisão – diálogos Brasil-Portugal”. No seu último dia de apresentações, o debate mostrou como os estudos em Comunicação estão passando por um processo de amadurecimento, principalmente nos países em questão.

Os palestrantes Maria Carmem Jacob, da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Arlindo Machado, da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP) e da Escola de Comunicações e Arte da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e João Freire Filho, da ECO-UFRJ, falaram sobre a produção de telenovelas, a importância de Chacrinha para a televisão e reality shows, respectivamente.

A professora Maria Jacob discorreu sobre os desafios criativos dos roteiristas de telenovelas através de cinco tópicos principais. No primeiro, sobre autoria, explicou tratar-se de um sistema de valorização e julgamento das obras. No segundo, a docente afirmou que “a noção de campo foi desenvolvida por Bourdieu, mas é insuficiente no que diz respeito ao microcosmo das telenovelas, já que estas são muito influenciadas pelas realidades sociais”.

No que tange ao roteirista, terceiro tópico do debate, a regra geral para que este seja considerado bom é ter domínio das regras. “Ele deve ter a capacidade de reescrever quando necessário, cortando o autor, repetindo o que dá certo e, ao mesmo tempo, inovando nas resoluções”, acrescentou Maria.

A professora também falou sobre autoria criativa, apontando o conflito entre telespectadores e fonte pagadora como o principal agente no desenrolar de uma trama. Por fim, lembrou que as produções de hoje não se encerram na televisão, elas se expandiram principalmente para o mundo digital e esta possibilidade de debater os programas on-line é essencial para o aprimoramento das telenovelas.

O professor Arlindo Machado falou sobre a invenção da TV através da figura de Chacrinha, argumentando que “antes dele a televisão era uma continuação do rádio, como também um cinema meio acanhado”.

Segundo Machado, “a televisão tem vergonha de ser televisão, importa padrões de qualidade de outros meios, principalmente cinema, e separa o público daquilo que está em cena, ratificando seu problema de autoestima.”

Foi nesse sentido que Chacrinha se estabeleceu como pioneiro, já que, em seus programas, o improviso era o diferencial. “O apresentador transformava técnicos em protagonistas, posicionava as câmeras como queria e, dessa forma, mostrava os bastidores da televisão”, acrescentou o docente.

Citando Umberto Eco, Machado falou sobre a obra aberta. “Fazer televisão exige faro. Prever o que pode acontecer e improvisar de forma com que o erro se transforme em acerto é, de fato, dominar esta arte." Para encerrar sua apresentação, o professor mostrou vídeos com momentos marcantes da trajetória do velho guerreiro.

Encerrando as apresentações da mesa dois, João Freire Filho abordou o tema “Existir aos olhos dos outros: reality shows, as `aventuras autênticas` de indivíduos em busca de reconhecimento". Segundo o próprio, “dentro da hierarquia dos programas, certamente estes ocupam um baixo escalão, mas ainda assim são instigantes”.

Ainda de acordo com Freire, “embora seja um assunto do interesse de muitas pessoas, a academia não se preocupa com o aprofundamento deste tipo de tema, negligenciando a relação destes com a cultura vigente”, e acrescentou, “a televisão é um reflexo dos imperialismos aos quais estamos submetidos”.

A proposta destes programas é garantir a visualização da conduta espontânea e das emoções autênticas de pessoas reais. Desde No Limite (Globo), passando por Esquadrão do Amor (SBT) até Big Brother Brasil (Globo), pessoas comuns são transformadas em celebridades, uma vez que mais de 80% dos telespectadores gostam de ver pessoas anônimas fazendo sucesso.

Para Freire, a maioria dos problemas sociais remete-se ao campo psicológico, principalmente no que diz respeito à autoestima. “Estes programas têm o argumento de sempre revelarem o melhor do indivíduo: cativante, brilhante, transparente. Ele nunca é visto, de fato, como um fracassado, mesmo que seja. Dessa forma, o anônimo passa a ter orgulho de si mesmo”, completou o professor.

O docente destacou como a afetividade e a integridade, no Brasil, são tidas como prioridades nesses programas, mesmo no caso do Big Brother, “um jogo no qual a frase mais ouvida é ‘Eu não estou jogando’. Nos EUA, a astúcia é preponderante”.

Por fim, a sociedade do espetáculo e o voyeurismo foram tomados como duas das explicações para se entender a ligação dos anônimos com uma parcela considerável da população. “Quanto mais o coração é administrado, mais nós valorizamos o coração espontâneo”, concluiu Freire, citando Arlie Hochschild.