Em meio às discussões acerca do modelo de exploração das reservas de petróleo encontradas na camada do pré-sal, os deputados Ibsen Pinheiro (PSDB-RS) e Humberto Souto (PPS-MG) propuseram uma emenda ao projeto de lei 5938/09, dispondo sobre a redistribuição dos royalties – inclusive em relação aos campos que já estão em atividade – entre todos os estados e municípios, independente de serem produtores ou não.
A chamada Emenda Ibsen foi aprovada na Câmara dos Deputados, por 369 votos a 72. Houve ainda duas abstenções. Caso a medida passe também pelo Senado, o Estado do Rio de Janeiro deixaria de receber cerca de R$ 7 bilhões por ano. A decisão dos parlamentares gerou forte reação de diversos segmentos da sociedade fluminense e do governo do Rio. Em resposta, o poder público e movimentos sociais convocaram a manifestação “Contra a covardia e em defesa do Rio” na última quarta (17/03), no Centro do Rio, contra as mudanças. O Evento reuniu aproximadamente 120 mil pessoas contra a redistribuição dos royalties.
Para entender as consequências da Emenda Ibsen, o Olhar Virtual entrevistou o professor Helder Queiroz Pinto Jr., do Grupo de Economia da Energia, ligado ao Instituto de Economia da UFRJ. De acordo com o pesquisador, se aprovada, a emenda comprometeria o equilíbrio fiscal dos estados e municípios produtores.
Olhar Virtual – Como funciona o cálculo de repasse dos royalties no caso do petróleo?
Helder Queiroz Pinto Jr. – Os royalties são calculados com base no preço do petróleo, taxa de câmbio e o volume produzido por campo. A alíquota varia de 5 a 10% do valor da produção, mas a grande maioria dos campos paga cerca de 10%.
Olhar Virtual – Alguns veículos da imprensa e o próprio governador do Rio afirmam que, se o projeto de redistribuição dos royalties passar no Senado Federal, o Rio de Janeiro quebra. Até que ponto isso é verdade?
Helder Queiroz Pinto Jr. – A emenda Ibsen Pinheiro altera o regime de cobrança dos royalties dos campos já existentes, os quais não estão nos campos do pré-sal. Assim, no novo regime, o Rio de Janeiro e seus municípios perderiam um grande volume de recurso, com a redução de R$ 7 bilhões para R$ 200 milhões. Isso evidentemente comprometeria o equilíbrio fiscal do estado e dos municípios, bem como programas de investimentos em curso.
Olhar Virtual – A mudança nas regras do jogo inviabilizaria a realização da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016?
Helder Queiroz Pinto Jr. – Tais mudanças poderiam comprometer os recursos financeiros que serão disponibilizados para esses eventos. O Estado do Rio de Janeiro teria que buscar novas fontes de financiamento, aumentando seu endividamento a fim de assegurar os compromissos assumidos para os mesmos.
Olhar Virtual – O ministro Carlos Minc afirmou também que não haveria recursos para programas ambientais como a recuperação da baía de Sepetiba e a revitalização do Canal do Fundão.
Helder Queiroz Pinto Jr. – A redução dos montantes arrecadados com os royalties exigirá, caso aprovada, a redefinição de todos os programas de investimento do Estado e de suas modalidades de financiamento. Alguns investimentos nesse processo teriam que ser cortados ou revisados. Os programas ambientais não são exceção.
Olhar Virtual – E em outros estados produtores, como Espírito Santo e São Paulo, qual seria o impacto?
Helder Queiroz Pinto Jr. – Para o Espírito Santo, o efeito negativo e perverso da emenda Ibsen é imediato, como no caso do Rio, ainda que os volumes arrecadados sejam menores. No caso de São Paulo, os volumes de royalties só serão maiores a partir da entrada em operação do pré-sal em 2015. Portanto, para o equilíbrio das finanças públicas em São Paulo, no curto prazo, os problemas são menos extensos.
Olhar Virtual – Por falar em pré-sal, a camada é vista pelo governo como um "passaporte para o futuro" porque pode conter entre 50 a 100 bilhões de barris de petróleo, segundo estimativa oficial. O número supera em mais de cinco vezes as reservas atuais do país. O que isso representa em termos econômicos ao país? Essa estimativa é exagerada?
Helder Queiroz Pinto Jr. – Representa a possibilidade de gerar condições sustentáveis de geração de renda e emprego, diversificar a indústria nacional e consolidar um protagonismo no cenário geopolítico mundial. Para tanto, será necessário desenhar as políticas setoriais corretas, tanto no plano energético, como também no industrial, tecnológico, ambiental e social.
Olhar Virtual – É importante a participação da sociedade civil?
Helder Queiroz Pinto Jr. – Fundamental. Quanto mais se debater o tema, melhor será. Estamos discutindo as melhores rotas para se construir o futuro.
Olhar Virtual – Que postura deve assumir o governo do Rio nesse jogo político?
Helder Queiroz Pinto Jr. – O Rio não se colocou bem no início do debate. Politicamente, será difícil não ceder uma parcela dos royalties no processo de negociação. A emenda Ibsen Pinheiro é inegociável. É irresponsável e, se aprovada, suscitaria um conflito federativo sério. Mas, dado o volume de recursos que o pré-sal pode potencialmente gerar, será sensato, da parte do Rio, verificar de que modo e sob que critérios poderia ser feita uma redistribuição. Ainda assim, em termos absolutos, o Rio sairá ganhando, pois a produção irá aumentar de forma significativa.
Olhar Virtual – O parágrafo primeiro do artigo 20 da Constituição Federal de 1988 prevê compensação financeira aos estados e municípios que produzem petróleo seja na terra ou no mar. A mudança se configura desrespeito à carta máxima?
Helder Queiroz Pinto Jr – A emenda Ibsen Pinheiro é leviana e jurídica, além de ser tecnicamente ruim, pois desrespeita alguns princípios constitucionais.