O Projeto de Orientação em Saúde reprodutora para Adolescentes (mais conhecido como Papo Cabeça), coordenado por professores da UFRJ, tem por objetivo educar os jovens quanto a sua sexualidade, participando de e realizando debates e seminários sobre o assunto.
Ordenando o conteúdo produzido coletivamente pelo projeto e seus participantes, os coordenadores do projeto José Leonídio Pereira, Claúdia Fanelli, Regina Celi Pereira e Silvia Rios organizaram o livro Sexualidade na Adolescência no Novo Milênio. Na última sexta-feira, dia 4 de abril, foi realizado o seu lançamento, acompanhado de palestras e uma mesa redonda que visavam esclarecimentos sobre o tema.
Sexualidade sob a ótica da neurociência
José Leonídio, professor da Faculdade de Medicina (FM/UFRJ), foi o responsável por ministrar a primeira palestra, que se focou nos processos neurológicos da sexualidade humana. “No início da formação do ser humano, somos todos inicialmente ‘mulheres’. O que desenvolve a diferenciação para o sexo masculino é o hormônio andrógeno (masculino), produzido em decorrência da presença do gene Y”, explicou o palestrante.
— Durante a infância, a influência dos hormônios se reduz em relação à fase intra-útero. Ao chegar à puberdade, devido principalmente a fatores genéticos e ao aumento da massa corporal (a substância que desencadeia o processo é a leptina), eles voltam a ser mais ativos – afirmou o especialista.
De acordo com ele, o lugar comum que diz que o adolescente é uma ‘febre de hormônios’ é inadequado. Essa fase se caracterizaria mais pelo amadurecimento das áreas cerebrais, enquanto antes os neurônios só seriam reproduzidos “de modo ‘copiar e colar’”.
O professor alegou as diferenças no sistema de recompensa do cérebro na passagem para a adolescência. “Tudo é bom e bonito na infância. Porém, quando essa fase termina, já houve perda de cerca de 1/3 dos receptores de dopamina”, indicou. Ele ligou essa diferença com a busca dos jovens por emoções mais fortes, como sons altos, a velocidade e o próprio sexo. “A paixão bloqueia a razão”, pontuou Leonídio.
—Também se soma a isso a ação dos hormônios sexuais – cerca de 95% dos seres humanos sentem atração pelo sexo oposto, ao menos hormonalmente. A ação deles atua inicialmente sobre a via vomeronasal – lembra ele.
Uma visão da religião
—Quando o assunto é sexo, geralmente o discurso é que sem religião seríamos mais livres. Mas toda sociedade precisa de certo controle sobre a sexualidade; e uma das formas de regulá-la é a religião – esclareceu Jorge Serapião, professor de Psicologia do Instituto de Ginecologia da UFRJ. Ele também apontou a medicina como outra força de repressão.
Para o professor, a homossexualidade ainda é uma questão complicada para grande parte da comunidade religiosa. “Alguns grupos são muito mais radicais que a igreja católica, pois chegam a tratar os homossexuais como doentes e tentar submetê-los a tratamentos psicológicos”, denunciou, lembrando que essa posição não é apoiada pelo Conselho da área.
O psicólogo também mostrou uma pesquisa, que, de acordo com ele, aponta que “o homem adolescente faz sexo por vontade de provar sua masculinidade”, enquanto a razão principal para a primeira relação sexual entre as mulheres é o item “amor” da pesquisa.
O que o palestrante apontou como mais alarmante, porém, foi o aumento dos jovens que se declararam “Sem Religião”. “Isso mostra o perigo de que se perca o comportamento ético, já que não há sociedade sem religião”, afirmou.
Jovem e gravidez
A apresentação de Maria Magdala, diretora da Escola de Serviço Social da UFRJ, foi marcada pela crítica à forma como os profissionais da saúde e a sociedade geralmente lidam com a complicada questão da gravidez na adolescência. “Diversos fatores criam diferenças entre grupos de jovens, sendo mais marcantes as diferenças entre as classes sociais”, ressaltou.
— O adolescente, como dizia Rousseau, está em posição de dependência física e financeira em relação ao adulto; mas ele não é um objeto vazio, é dotado de pensamento. A maior posição pedagógica que alguém pode tomar é tentar compreender o outro, fazer com que ele pense não pensar por ele – declarou Magdala.
Na visão da educadora, a sexualidade não é uma característica genética, nem algo da ordem biológica, não se restringe à reprodução ou à genitália. Ela também atacou as concepções da gravidez como problema de saúde pública e social. “É certo que o sistema educacional não dá espaço para todos. Mas muitas vezes o que ocorre é que na hora não se pensa nisso ou que a gravidez é uma escolha”, defendeu.
Ela também dirigiu críticas à forma como a responsabilidade sobre a situação acaba recaindo sobre a mulher, muitas vezes reforçada por quem deveria combater esse problema. “Quase todas as pesquisas sobre a gravidez não se focam no pai, assim como o pediatra sempre pergunta sobre a presença da mãe. Como esperar mudança no modelo social se os próprios profissionais da saúde reproduzem se modelo?”, criticou.