Foto: Agência UFRJ de Notícias |
O psiquiatra William Berger expõe os dados sobre a incidência |
O Instituto de Psiquiatria da UFRJ realizou nessa sexta-feira, dia 28 de setembro, no auditório Leme Lopes, uma sessão do Centro de Estudos, abordando o tema “transtornos de estresse pós-traumático (TEPT) em equipes de resgate e salvamento do Corpo de Bombeiros Militares do município do Rio de Janeiro”. Para a palestra, foi convidado William Berger, pesquisador do grupo de transtornos relacionados ao estresse e psiquiatra assistente do ambulatório de Vítimas da Violência Urbana do IPUB/UFRJ, que apresentou as manifestações clínicas do TEPT, bem como suas complicações no que diz respeito ao cotidiano de mais de 200 bombeiros na cidade do Rio de Janeiro.
Segundo Berger, um evento pós-traumático seria “vivenciar, testemunhar ou ser confrontado com morte, ferimentos graves, ou ameaça à integridade física própria ou de outros, acompanhada da reação de medo, horror ou impotência”. Para o especialista, a cidade do Rio de Janeiro apresenta características marcantes, que podem resultar numa maior incidência não apenas desse distúrbio, mas também de outras formas de manifestação. “No Ambulatório de Violência Urbana do IPUB, aparecem histórias de pessoas que vivenciaram assaltos, seqüestros e outros acontecimentos. Muitas delas não chegam a apresentar o TEPT ou outras formas de transtornos mentais, mas é observada uma mudança completa do modo de vida, como diminuição do tempo destinado ao trabalho e maior dedicação à família e ao lazer”, conta o médico.
Entre as características apresentadas pela pessoa com transtorno de estresse pós-traumático estão, segundo o especialista, os seguintes critérios diagnósticos: as revivescências, em que a pessoa relembra o fato a todo instante, em flashes de memória e sonhos; o comportamento evitativo e o entorpecimento emocional, no qual o indivíduo reluta, por exemplo, passar pelo local onde foi assaltado ou conversar com pessoas envolvidas, mesmo após a passagem dos anos; a hiperexcitabilidade, como insônia, agitação, resposta de estímulo exagerada (por exemplo, sobressaltar-se diante de qualquer movimentação ou som); a duração mínima de um mês; o sofrimento clinicamente significativo e o prejuízo no funcionamento social ou ocupacional em outras áreas importantes da vida.
O pesquisador alerta ainda que o evento em si não basta para que se manifeste esse comportamento, sendo totalmente vinculado à maneira como a pessoa afetada responde ao fato ocorrido. “Nesse sentido, surgem os subtipos de TEPT: o agudo, com duração inferior a três meses; o crônico, com duração superior ou igual a três meses; parcial, com a manifestação de dois dos critérios diagnósticos, além do sofrimento clinicamente significativo; por último, o subclínico, com ao menos um sintoma em cada um dos critérios diagnósticos”, expõe Berger, que também destaca o conceito de vítima secundária ou de solidariedade: “essas pessoas passam a apresentar alterações emocionais e de comportamento ao tomar conhecimento de uma experiência traumatizante vivida por alguém próximo e por ajudar, ou querer socorrer, uma pessoa traumatizada, em sofrimento”, explica o psiquiatra.
TEPT e o Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro
William Berger ressalta que, nesse contexto, equipes de regate, como o Corpo de Bombeiros, são os maiores acometidos pelo TEPT. “Em pesquisas já realizadas, constata-se que esse transtorno afeta cerca de 2 a 11,2% da população geral (dados: Stein e cols.,2000, e Norris e cols., 2003), mas variam entre 0,9 e 46% no que diz respeito às equipes de resgate (dados: Morren e cols., 2005, e Stewart e cols., 2004).Esses estudos são realizados após grandes eventos traumáticos, por exemplo, o atentado ao World Trade Center, terremotos e acidentes aéreos”, enumera o especialista.
No caso carioca, Berger dirigiu um estudo nos anos de 2003 e 2004, coletando informações que permitissem conhecer a incidência do TEPT no grupo de risco representado pelos bombeiros militares. Segundo o Grupamento de Socorro de Emergência do Corpo de Bombeiros Militares do Rio de Janeiro (GSE), as ambulâncias fazem um atendimento a cada 7,5 minutos, sendo o tipo de atendimento mais freqüente os acidentes no trânsito, seguido, por mal súbito, quedas, problemas relacionados às armas de fogo (PAF) e outros. O psiquiatra alega que, diante dos eventos traumáticos a que são expostos, os bombeiros são um grupo de risco iminente, podendo se tornar vítimas secundárias e até mesmo primárias, dependendo da situação em que se encontram.
Para exemplificar esse risco, o pesquisador apresenta o depoimento de um tenente do GSE. “O militar conta que foi a uma favela socorrer uma vítima de PAF. O paciente é encontrado com vida e eles iniciam então os primeiros socorros. Nisso, pára um carro ao lado da ambulância e dois homens descem, perguntando se o acidentado ainda estava vivo. Com a resposta afirmativa, os homens dão mais três tiros no paciente, matando-o. O tenente afirma que teve que se esconder na ambulância, para escapar do mesmo destino. Esse relato evidencia os riscos que o profissional do resgate corre em nossa cidade, que pode levá-lo a desenvolver um TEPT secundário e até mesmo primário”, destaca o especialista, lembrando que, apesar dos problemas que podem vir a desenvolver, os bombeiros brasileiros recebem treinamento especial, sendo instruídos sobre a maneira correta de agir em situações similares.
O psiquiatra revela então o objetivo de suas pesquisas, que contaram com a participação de 267 integrantes do GSE, que responderam aos questionários, em 22 unidades do corpo de bombeiros visitadas. “O objetivo é determinar a prevalência da TEPT e da TEPT parcial na equipe de resgate dos bombeiros do Rio de Janeiro e avaliar as diferenças na qualidade de vida entre os indivíduos que apresentam ou não esse distúrbio”, revela Berger, que apresenta também os resultados obtidos. “Como apenas uma mulher foi diagnosticada como portadora de TEPT, apenas os participantes masculinos foram considerados na análise estatística. O TEPT total apresenta uma prevalência de 5,6% (6,7% nos homens e 1,9% nas mulheres) e o TEPT parcial 15% (13,3% nos homens e 20,4% nas mulheres)”, apresenta o pesquisador.
William Berger, então, apresenta o resultado das pesquisas: “Percebemos que o grupo com TEPT possui uma proporção significativamente maior de indivíduos não casados do que aqueles sem TEPT e o grupo com TEPT parcial apresentou maior freqüência de queixas de problemas emocionais e visitas médicas que o grupo assintomático. O grupo com o transtorno apresentou também limitações de papéis devido à saúde física, problemas emocionais, vitalidade e bem-estar emocional”, descreve o especialista, que conclui: “Muitas vezes o TEPT é incapacitante, trazendo complicações sérias às pessoas que são acometidas por esse transtorno. Muitos indivíduos não conseguem mais trabalhar, realizar seus afazeres habituais, tornando-se irritados e agressivos com pessoas próximas a eles, evitam manter um círculo social, amedrontados com a perspectiva de precisar contar, relembrar aquele trauma. Por esse mesmo motivo, muitas pessoas acabam por não procurar um especialista. É preciso, portanto que os parentes e amigos atentem aos sinais do TEPT e encaminhe o paciente a um tratamento específico”, alerta o psiquiatra.