Comprimir em 60 minutos uma peça teatral, articulando o espaço e o tempo em uma composição artístico-poética. Este é o papel dos jovens diretores que integram anualmente o Mostra Mais, evento que constitui a disciplina Direção 6 da graduação em Direção Teatral na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ao longo dos anos, os resultados, segundo Carmem Gadelha, coordenadora do curso na instituição, têm sido satisfatórios, e a prova disso está na platéia sempre cheia que prestigia as peças.
Carmem define o Mostra Mais como a transição entre a primeira atividade prática e o espetáculo final dos estudantes. O Amostra Grátis é um evento menor, em que os graduandos são orientados em conjunto no aprendizado mais intensivo das técnicas do teatro, a composição do espaço, a dinâmica no cenário. Por sua vez, o espetáculo final, de conclusão do curso, é um trabalho mais rebuscado, que deve agregar todos os ensinamentos passados ao longo dos oito períodos da Direção Teatral. É um projeto realizado para agregar a agenda cultural da cidade do Rio de Janeiro.
— O Mostra Mais é um momento em que cada estudante já tem seu próprio orientador para ir trabalhando a composição do espaço em harmonia com o tempo real e o tempo interno do enredo encenado. Essa temporalidade deve ser poética, significativa, atuante nos gestos dos personagens. Um desafio é que esses jovens diretores precisam compactar uma peça extensa em 60 minutos, editar o texto sem adulterar sua lógica, sabendo articular as partes e evitando que seja perdida a essência da narrativa — explica a coordenadora.
Os graduandos se dizem satisfeitos com esta oportunidade. Cecília Carvalhal, aluna do 7° Período de Direção Teatral na UFRJ, dirigiu a peça “Pode ser que seja só o leiteiro lá fora”, de Caio Fernando Abreu, exibida no Mostra Mais 2007. Ela define o evento como uma ótima oportunidade para mostrar o que foi aprendido ao longo do curso. Disse ainda que o Mostra Mais movimenta a faculdade, uma vez que chama a colaboração de estudantes de diversos cursos para uma manifestação cultural, mas lamenta que o evento não seja tão divulgado fora da UFRJ. Segundo ela, o ideal seria “chamar mais o público, pessoas da imprensa, de produção de elenco, para que o Mostra Mais não morra na faculdade e para que os produtores, diretores e atores do evento ganhem mais visibilidade”.
A respeito disso, Carmem argumenta que a proposta é realmente restringir o Mostra Mais ao âmbito acadêmico e que ele consolide uma vida cultural na UFRJ. Porém, prossegue a coordenadora, “orientamos os estudantes a montarem um espetáculo de bolso, portátil. A intenção é que a estréia dessas peças seja no Mostra Mais, mas que depois elas possam ser exibidas em outros eventos, a exemplo do que foi agendado para este ano. Três peças do Mostra Mais 2007 foram selecionadas para serem apresentadas no Festival do Teatro Universitário no Sesc Tijuca. E todas as peças ficam disponíveis para convites, prontas para integrar outros eventos nas unidades da UFRJ, mesmo fora dos seus campi, integrando a universidade em suas atividades de extensão e de assistência junto às comunidades” — explica Carmem.
De acordo com a coordenadora, a repercussão mais ampla, para toda a cidade, é coerente com o espetáculo final dos graduandos da Direção Teatral, em que o orçamento é melhor, permitindo um aparato da produção mais extenso. “À época do Mostra Mais, os espetáculos são mais simples e os estudantes não estão devidamente preparados, justamente porque este evento é o meio da caminhada universitária e, portanto, o processo de aprendizado ainda está em desenvolvimento”, justifica.
O Mostra Mais é uma tradição antiga na Direção Teatral. Porém, passou a ter um destaque maior apenas quando passou a ocupar a primeira quinzena de Julho, deixando de coincidir com a época de exibição dos espetáculos de conclusão de curso no final do ano. Foi aos poucos ganhando mais autonomia e visibilidade, evoluindo para o que é hoje, um evento que sempre conquista platéias cheias.
— O balanço geral é satisfatório. Vemos trabalhos vigorosos, instigantes, muito criativos. É perceptível uma qualidade teatral elaborada, com o empenho dos estudantes trabalhando em conjunto com seus orientadores. E esses jovens diretores contam com uma liberdade relativa de experimentação, de invenção de diversas expressões artísticas teatrais, mas, claro, obedecendo às limitações para a realização do espetáculo, próprias de um evento universitário, com infra-estrutura devedora — observa Carmem.
As reivindicações
A coordenadora de Direção Teatral argumenta que o Mostra Mais é um evento significativo para a vida cultural da UFRJ. “E é essa importância que torna ainda mais desejado e urgente o aumento do investimento, que não ficaria limitado à Direção Teatral. Mesmo os benefícios não se restringiriam ao nosso curso, porque o Mostra Mais é resultado de um trabalho multidisciplinar, da Escola de Comunicação (ECO), da Casa da Ciência, da Música, da Dança, da Escola de Belas Artes, com Cenografia e Indumentária. Os investimentos em recursos humanos, em infra-estruturas de um modo geral repercutiriam em benefício de diversos cursos da universidade”, destaca Carmem.
As reclamações são recorrentes entre os estudantes de Direção Teatral. Gustavo Henrique, aluno do 7° período de Direção Teatral na UFRJ, responsável pela direção e pela adaptação da peça “O sonho do marinheiro”, de Fernando Pessoa, que integrou o Mostra Mais 2007, diz que as melhorias são lentas e exigem sempre muita pressão em cima da universidade. Gustavo argumenta que a sala 136 no prédio da ECO, cedida para estes estudantes, é um exemplo do avanço, mas ainda está muito aquém do que poderia e do que deveria ser reservado para que os estudantes de Direção Teatral tenham um espaço adequado para as atividades do curso.
A essa idéia, Cecília Carvalhal acrescenta que a sala 136 “foi realmente uma conquista, mas falta estrutura para iluminação, para uma boa acústica, espaço para a platéia. Por isso, não pretendemos parar apenas nesta sala e estamos elaborando um projeto para construir um teatro no terreno vazio em frente à entrada da ECO”
Carmem destaca que a atual gestão da ECO, com a diretora Ivana Bentes, vem efetivamente incentivando e investindo em melhorias, entretanto, é preciso mais. Segundo ela, é importante que a comunidade acadêmica perceba que o curso de Direção Teatral tem uma natureza diferente e, portanto, precisa de tratamentos específicos.
— Precisamos do espaço que torne possível uma maior dedicação à prática do teatro, em complemento às teorias. Faltam salas, instalações adequadas para o ensino do Teatro, que tem seu valor como uma produção do saber reflexivo do ser humano e das manifestações da sociedade. A UFRJ, com seu porte de grande instituição de ensino, não pode deixar de valorizar uma rica produção cultural como uma ponte fundamental entre meio acadêmico e a vida social.