Mesmo sendo o maior rio em extensão situado exclusivamente no estado do Rio de Janeiro – os 136 km do seu percurso formam uma bacia hidrográfica de aproximadamente 1.765 km2 – o rio Macaé vem sendo descoberto pelos pesquisadores recentemente. Um deles é Érica Caramaschi, professora do Instituto de Biologia da UFRJ e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ecologia de Peixes. Para Érica, que desde 2000 integra um projeto de pesquisa sobre o rio, junto com pesquisadores da UERJ e da Fiocruz, a bacia do rio Macaé ainda hoje é muito mal explorada. Por esse motivo, estão sempre aparecendo muitas novidades.
Érica é responsável por uma dessas descobertas: há aproximadamente seis meses, seu grupo encontrou duas novas espécies de peixes no rio, ainda não catalogadas pela ciência. São espécies de cascudos e pertencem ao gênero Rineloricaria. “Depois que coletamos o material, fizemos uma triagem. Só após percebemos que não era possível encaixar as amostras dentro das classificações existentes, as mandamos para um especialista”, explica. Segundo Érica, a professora de ictiologia Miriam Ghazzi confirmou que as espécies são novas e se dispôs a descrevê-las. “Agora, elas estão em processo de descrição formal, em função de algumas características especiais que as espécies têm ou devido ao local da descoberta (macaensis, por exemplo)”.
Érica, que já registrou cerca de 50 espécies no rio, faz questão de ressaltar a importância das outras vertentes do projeto no Macaé, relacionadas à sua entomofauna (insetos) e limniologia (qualidade da água). A pesquisadora ainda enfatiza a importância de contextualizar seu estudo com a situação atual do rio Macaé: "um dos nossos trabalhos é tentar identificar onde está ocorrendo a reprodução das espécies ao longo do rio e quanto elas dependem do meio para se multiplicarem. Como queremos trabalhar em toda a bacia do rio, elaboramos um inventário, que acompanha a distribuição das espécies por toda sua extensão".
Além da recente descoberta, o grupo de pesquisa em Ecologia de Peixes da UFRJ também tem voltado suas atenções para uma espécie endêmica chamada Pareiorhaphis garbei. Sua ocorrência se restringe somente à parte alta do rio Macaé e à cabeceira do rio Macacu e, para Érica, aí reside a importância do estudo: "se o garbei desaparecer dessas áreas, ele simplesmente desaparece do planeta", ela alerta. A equipe coordenada pela professora obteve dados relevantes a respeito da espécie ameaçada, descrevendo alguns de seus comportamentos alimentares e notificando a população da espécie existente nos trechos do rio estudados. Estes resultados já foram publicados em uma revista científica internacional, a Environmental Biology Fish.
A professora também deseja publicar artigos sobre os cascudos, depois de descritos, na mídia científica. As novas espécies foram detectadas por Érica Caramaschi e seu grupo no trecho superior do rio Macaé, entre as regiões de Lumiar e Casimiro de Abreu, acima dos 700 metros de altitude (entre 650 e 70 metros está o trecho médio e abaixo dos 50 metros, o inferior). "Meus alunos brincam que o trecho superior é a garbeilândia", contou Érica, devido à também intensa presença da espécie endêmica na região. De leito pedregoso e com mata ciliar preservada, o local é hábitat de espécies de peixes de porte pequeno, com até 10 cm de comprimento, e em geral não-comestíveis, como os novos cascudos e o garbei. Mas a relevância deles é outra:
– Os cascudos e a espécie endêmica têm papel essencial na cadeia alimentar daquele meio, pois servem de alimento às lontras, gambás d’água, cuícas d’água, aves e morcegos. Além disso, eles se alimentam de algas que formam limbo nas pedras e que retêm nutrientes. Portanto, eles transformam essas algas, inaproveitáveis para qualquer outro animal, em alimento, realizando uma passagem de energia essencial – relata Érica.
Porém, a pesquisa de campo fez os estudiosos da Ecologia de Peixes da UFRJ se certificarem do impacto causado por uma espécie não nativa do rio Macaé: a truta, introduzida no trecho superior. "A truticultura é importante economicamente, mas seus produtores, por falta de informação, jogam os alevinos em excesso no rio. A truta é um peixão perto dos peixinhos pequenos. Ou ela os come ou come a comida deles. De uma forma ou de outra, interfere nas espécies nativas", lamenta a professora, que também cita o bagre africano, inserido na parte inferior do rio, como um intruso.
Outra constatação do grupo, revelada por Érica, é o prejuízo causado ao meio ambiente pela ação humana. “Infelizmente, o principal vilão do rio é o próprio ser humano, na medida em que desmata as margens, joga esgoto no rio, transforma a qualidade da água e destrói o hábitat das espécies”, conta Érica, que considera necessárias maior educação e fiscalização ambiental pelo Ibama. “A lei brasileira é ótima em termos de preservação de mananciais, mas não é cumprida”. O trecho mais crítico do rio, o inferior, retificado pelo extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), quase não apresenta mata ciliar, que preservaria o barranco, retendo umidade. Seu desmatamento vem provocando o assoreamento do rio:
– O rio Macaé, em seu baixo curso, é pobre, raso e pelado. Próximo às cidades, esgoto e lixo em quantidades enormes começam a ser lançados nele. O manguezal do estuário do Macaé também foi detonado pelas construções – esclarece a pesquisadora. Érica, que já promoveu uma oficina para as autoridades ligadas ao rio, como a SERLA (Superintendência de Rios e Lagoas), Petrobras e a Secretaria do Meio Ambiente do município de Macaé, explica que, próximo à nascente, o rio abriga poucas espécies, mas esse número aumenta conforme se desce até a foz, pois existem peixes marinhos que entram no rio. “Porém, como a área baixa do Macaé é muito empobrecida, a diversidade de espécies cai antes de chegar à foz. Isso é uma notícia ruim”, finaliza Érica.