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Ainda Estou Aqui concorre ao Oscar neste domingo e traz público de volta aos cinemas

Filme de Walter Salles vende mais de cinco milhões de ingressos e repercute internacionalmente. Sucesso anima também produções independentes e universitárias

Quantas mobilizações podem caber em uma sala de cinema? Debates políticos, reaquecimento do setor e torcida pelo Oscar como se fosse uma final de Copa do Mundo são algumas das que estão sendo geradas pelo filme Ainda Estou Aqui. Na trama, o ex-deputado e engenheiro Rubens Paiva (Selton Mello) é sequestrado durante a ditadura militar e torturado até a morte. Eunice Paiva (Fernanda Torres), então viúva, passa a cuidar de seus cinco filhos enquanto administra o luto, o sentimento de injustiça e a luta por respostas ao sumiço do marido. Com direção de Walter Salles e um elenco de grande peso, o filme foi lançado em novembro do ano passado e já levou mais de cinco milhões de espectadores às salas de cinema, número que não era alcançado desde antes da pandemia de covid-19. 

Repercussão nacional e internacional

Antes mesmo de ser lançado, o filme já vinha alimentando expectativas sobre uma possível repercussão em premiações internacionais. Em setembro de 2024, foi recebido com 14 minutos de aplausos no Festival de Veneza, onde também levou o prêmio de melhor roteiro. Há pouco mais de um mês, Fernanda Torres ganhou o Globo de Ouro, na categoria de melhor atriz em filme de drama. Coroando a produção como um dos principais nomes do cenário nacional, recebeu três indicações históricas ao Oscar 2025: melhor filme internacional, melhor filme e melhor atriz para Fernanda Torres. 

O longa de Walter Salles tem deixado o cinema brasileiro em foco e aberto possibilidades. O retorno do público às salas de cinema tem sido percebido também em outras produções. Um mês depois da estreia de Ainda Estou Aqui, a sequência de Auto da Compadecida, de Guel Arraes, estreou com sessões em todo o país. Em menos de uma semana, já tinha registrado a marca de um milhão de ingressos vendidos, além de fechar como a maior estreia de um filme brasileiro pós-pandemia, com quase 200 mil espectadores no dia do lançamento. Juntos, Ainda Estou Aqui e Auto da Compadecida 2 já somam quase 10 milhões de ingressos vendidos e mais de R$ 180 milhões em bilheteria. 

Quando um produto não estrangeiro ganha a notoriedade que Ainda Estou Aqui teve, muitas pessoas passam ou voltam a reconhecer a importância da cultura brasileira. Afinal, é por meio da cultura que encontramos maneiras de contar a história do país, de celebrar nossas vitórias, enaltecer nosso povo e oferecer conhecimento sobre acontecimentos históricos que não podemos passar novamente. O tema principal do filme é a ditadura militar que o Brasil viveu entre 1964 e 1985 e as violências geradas pelo Estado durante o período, que se perpetuam até hoje. Algumas mudanças pelas quais o país tem passado sobre o assunto envolvem a retomada das discussões sobre a Lei da Anistia pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

O próprio caso de Rubens Paiva voltou a ter movimentações na Justiça. Sua certidão de óbito foi alterada, constando agora a seguinte causa de morte: “não natural; violenta; causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964”. A memória histórica também atingiu novas gerações, que não viveram a ditadura e passaram a compreender mais sobre a trajetória do país. Em entrevista à BBC, a protagonista Fernanda Torres afirmou que o filme “ensina aos jovens o que realmente significa viver em uma ditadura”. 

O mercado audiovisual no Rio de Janeiro e no Brasil  

O momento do audiovisual na cidade é de expansão. Segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), 98% do setor no Rio é composto por pequenas produtoras, que cresceram 12% no ano passado e chegaram a um total de 34,9 mil empresas. A nível nacional, o resultado só perde para o estado de São Paulo, com mais de 100 mil negócios ativos. Para a RioFilme, empresa da Prefeitura que cuida do setor carioca, a movimentação econômica registrou uma alta de 60% em relação a 2021, quando os investimentos na área foram retomados. 

Além dos resultados econômicos, a cidade se consolidou como um grande polo de cinema no país. Segundo Leonardo Edde, presidente da RioFilme, 2024 registrou 8.782 diárias de filmagens de 505 produções autorizadas a filmar na cidade pela Rio Film Commission, setor da RioFilme que cuida das autorizações e apoio às filmagens na capital. Como resultado, R$ 4,2 bilhões de reais foram gerados pelo setor audiovisual carioca, além de 20,4 mil empregos formais. Só neste ano a Prefeitura destinou mais de R$ 131 milhões para investimentos no cinema, o maior montante desde 2021. Para Leonardo, o longa de Walter Salles também atraiu investimentos, abrindo portas para novas produções cariocas no mercado global. “Esse impacto fortalece toda a cadeia produtiva e confirma a importância das políticas de fomento da RioFilme para aquecer o ecossistema que possibilita que mais histórias brasileiras alcancem um nível de reconhecimento internacional”, afirma.

No restante do país, a tendência positiva se confirma. Dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) revelam que em 2024 o Brasil atingiu o maior número de salas de cinema da sua história. São mais de 3.509, frente às 3.478 registradas antes da pandemia, o que forçou o fechamento de quase metade delas. O número de espectadores dobrou em relação a 2023, com mais de 121 milhões de ingressos, melhor resultado para o setor desde 2019. Segundo o Ministério da Cultura, Ainda Estou Aqui foi um dos nomes que ajudou na retomada do setor no ano passado. Além dos filmes em cartaz, a abertura de novos editais de fomento à cultura, as iniciativas por novas salas em cidades interioranas e a promoção de períodos com ingressos a preços mais acessíveis também contribuíram positivamente.

As produções audiovisuais universitárias

Luiza Kozowski, atriz que interpretou Eliana Paiva, uma das filhas de Eunice e Rubens Paiva, foi aluna da UFRJ na Escola de Comunicação (ECO). Luiza se formou no curso de Rádio e TV em 2017. Ela acredita que estudar na UFRJ com uma formação em Cinema é um diferencial para o ator. “As matérias de Arte da Cena me ajudaram muito a conhecer a pesquisa em atuação e a entender o audiovisual”, afirma. “Nós aprendemos quando manipulamos uma câmera, fazemos um curta, atuamos em um trabalho. Isso é importante demais.” A prática para Luiza não ficou restrita às salas de aula, ela também se envolveu em produções feitas pelos próprios alunos. Para ela, esses projetos chamam atenção pela possibilidade de exercer diversas funções em um mesmo trabalho. “Diante da falta de orçamento, precisamos compensar com criatividade”, afirma.

Além de projetos independentes, os alunos da Universidade têm criado suas próprias produtoras. Em 2023, o coletivo NaTora foi fundado para que estudantes de Rádio e TV pudessem discutir e fomentar novas produções. A demanda do corpo estudantil se comprovou e já na primeira semana o coletivo reuniu mais de 70 alunos. “Nos primeiros três meses, com uma equipe desse tamanho, conseguimos fazer dois curtas”, conta Carolina Maia, fundadora e coordenadora do projeto. “Essa velocidade de produção é um milagre. Nós tínhamos pouco orçamento, mas muita gente querendo praticar e produzir”. Carolina também faz parte dos mais de cinco milhões de espectadores que já assistiram Ainda Estou Aqui, e a repercussão do longa acendeu fagulhas de expectativa sobre o mercado. “Espero que não seja um fenômeno de repercussão efêmera. Quero muito que o sucesso reverbere para outras produções nacionais e que o público passe a nos olhar com mais apreço.”

Enquanto muitos vão para as ruas abraçar o carnaval, Luiza faz as malas e se prepara para a cerimônia do Oscar, que acontecerá neste domingo em Los Angeles. O clima de festa neste ano será diferente, na esperança de trazer uma estatueta para casa. Seria a primeira vez que um filme brasileiro vence uma categoria na maior premiação do cinema mundial. Para quem já esteve dos dois lados, entre as salas de aula da ECO e as grandes telas, a emoção é ainda maior. “Fico feliz que estimulamos a volta aos cinemas depois da pandemia. É muito louco ver um longa que foi lançado há três meses ainda lotando as salas. Mas importante mesmo é o debate em torno do filme, que traz o nosso cinema para o centro das atenções. Isso me deixou muito emocionada.” 

*Texto coescrito e supervisionado por Vanessa Almeida