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Invasões biológicas geram prejuízo anual de 2 a 3 bilhões à economia do país 

Estudo mostra que comércio de animais de estimação e plantas ornamentais e hortícolas é a principal via de introdução de espécies exóticas invasoras no território nacional

Um estudo inédito lançado nesta sexta-feira, 1/3, pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) apresenta uma síntese do conhecimento científico disponível sobre espécies exóticas invasoras (EEI) no país. EEI é o termo usado para designar plantas, animais e microrganismos que são introduzidos por ação humana, de forma intencional ou acidental, em locais fora de seu hábitat natural. Esses intrusos se reproduzem, proliferam e se dispersam para novas áreas onde na maioria das vezes ameaçam as espécies nativas e afetam o equilíbrio dos ecossistemas.

O Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos conceitua o problema, lista as espécies, suas principais formas de introdução e os ambientes que ocupam, apontando os impactos provocados e as medidas de gestão recomendadas para o Brasil enfrentar essa ameaça em curto, médio e longo prazos. O texto foi produzido por 73 autores líderes, 12 colaboradores e 15 revisores de instituições de pesquisa e órgãos públicos, dentre eles a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),  representantes do terceiro setor e profissionais autônomos de todas as regiões do país, em um esforço que buscou conciliar gênero, raça e expertise. Em versão simplificada do documento – o Sumário para Tomadores de Decisão (STD) –, dezesseis especialistas resumem os principais resultados e as mensagens-chave do relatório, com linguagem e infográficos didáticos para auxiliar gestores e lideranças governamentais e empresariais na tomada de decisão acerca da prevenção e do controle das invasões biológicas no território nacional. 

Impactos negativos superam os positivos

 Segundo o estudo, existem 476 espécies exóticas invasoras registradas no Brasil, sendo 268 animais e 208 plantas e algas, em sua maioria nativas da África, da Europa e do sudeste asiático. Elas têm como principal via de introdução o comércio de animais de estimação e plantas ornamentais e hortícolas, e estão presentes em todos os ecossistemas, com maior concentração em ambientes degradados ou de alta circulação humana. “Áreas urbanas são vulneráveis a espécies exóticas invasoras devido ao grande tráfego de pessoas, commodities e mercadorias via portos e aeroportos”, diz o texto do STD, que revela a gravidade da extensão territorial do problema e seus efeitos ambientais, sociais e econômicos. Os vetores de introdução podem ser diretos, como a navegação e o comércio internacional, ou indiretos, como motivadores socioculturais ou econômicos.

Foram identificadas 1.004 evidências de impactos negativos e apenas 33 positivas, pontuais e de curta duração, em ambientes naturais. Ao longo de 35 anos (1984 a 2019), o prejuízo mínimo estimado em razão dos impactos ocasionados por apenas 16 espécies exóticas invasoras variou de 77 a 105 bilhões de dólares – média anual de 2 a 3 bilhões de dólares. Os custos são atrelados a perdas de produção e horas de trabalho, internações hospitalares e interferência na indústria de turismo. 

As invasões biológicas por mosquitos como os do gênero Aedes, associados aos chamados arbovírus, são aspectos também citados na pesquisa. Elas têm gerado graves consequências à saúde pública, em virtude de doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela urbana.

Conheça as quatro mensagens-chave que são os principais achados do relatório:

1. Invasões biológicas geram graves impactos negativos à biodiversidade e aos serviços ecossistêmicos, afetando saúde, economia e atividades socioculturais. As evidências de impactos negativos causados por invasões biológicas em ambientes naturais são 30 vezes superiores àquelas referentes aos impactos positivos . Há indícios de impactos negativos para mais da metade das plantas e dos animais exóticos invasores registrados no Brasil. A identificação de impactos negativos pode ser complexa, o que não significa que não ocorram, pois o potencial de impacto é inerente ao processo de invasão biológica. 

2. Invasões biológicas são indissociáveis de atividades humanas. Os registros de espécies exóticas invasoras são mais numerosos em ambientes degradados ou de alta circulação humana. Porém, nenhum ambiente é imune a invasões biológicas, mesmo quando bem conservado. Espécies exóticas invasoras são registradas em todos os ecossistemas do país, inclusive em unidades de conservação, havendo lacunas de conhecimento em terras indígenas, territórios quilombolas e territórios tradicionais.  Mantendo-se o cenário socioeconômico atual, há a tendência de aumento de 20 a 30% de invasões biológicas até o fim deste século, em função da expansão do comércio e do transporte de mercadorias e trânsito de pessoas. Espécies exóticas invasoras com mais evidências de impactos negativos estão relacionadas a introduções intencionais e uso econômico. É esperada a intensificação da invasão por espécies em florestas secundárias na Amazônia, no Cerrado e na Caatinga por causa do aumento do desmatamento, da expansão de infraestruturas lineares e de efeitos das mudanças climáticas

3. A agilidade na tomada de decisão sobre o manejo aumenta a chance de sucesso para prevenir e mitigar impactos negativos de invasões biológicas. A prevenção é a opção de manejo de melhor relação custo-benefício, seguida de detecção precoce e resposta rápida, pois o manejo de invasões biológicas se torna mais oneroso e laborioso com o passar do tempo.

4. Ações estratégicas imediatas podem ser executadas para prevenir e controlar invasões biológicas. O Brasil dispõe de estrutura legal, institucional e conhecimento técnico suficientes para aumentar a prevenção e o controle de invasões biológicas.  Ampliar a formação e a atuação de pessoas para a gestão e o manejo de invasões biológicas favorece o enfrentamento do problema. 

 Andrea Junqueira, professora do  Departamento de Biologia Marinha da UFRJ e  do Programa de Pós-Graduação em Zoologia do Museu Nacional, é uma das coordenadoras do estudo. Ela explica que existem instrumentos jurídicos nos âmbitos federal, estadual e municipal que definem critérios para o uso de EEIs em sistemas de produção e para a gestão delas em processos de licenciamento ambiental. “A questão é colocá-los em prática”, pontua.

Os autores advertem que as ações frequentemente ocorrem de maneira desarticulada e pulverizada. Eles defendem, no relatório, que a legislação vigente deveria ser consolidada em uma política nacional, que trate de prevenção, controle e mitigação de impactos negativos nas esferas ambiental, agropecuária, sanitária e sociocultural

Para a pesquisadora, o estudo pode ajudar levando conhecimento sobre as EEIs à sociedade:  “É fundamental aumentar a percepção e o conhecimento sobre as espécies exóticas invasoras e seus impactos. Muita gente não sabe que a jaqueira e a tilápia são espécies invasoras, por exemplo. Só iremos avançar na gestão com a participação e contribuição da sociedade”, alerta a professora.

Confira o estudo completo no site da BPBES.