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As spallas da Orquestra Sinfônica da UFRJ

Elas foram as violinistas que lideraram, ao longo dos anos, a afinação da sinfônica antes das apresentações e realizaram solos que encantaram plateias

Na história centenária da Orquestra Sinfônica da UFRJ, as mulheres sempre tiveram atuação destacada. No Dia Internacional da Mulher, 8/3, o Conexão faz questão de prestar uma homenagem a elas e, por extensão, a todas as mulheres. Em italiano, “spalla” significa “ombro”, que passou a denominar também os músicos que tocam o primeiro-violino de uma orquestra. Na prática, têm a função de “braço direito” dos maestros, pois são responsáveis pela afinação da sinfônica e determinar as arcadas (golpes do arco para as marcações da partitura) a serem praticadas por todos no naipe. Possuem tamanho destaque que, entre os instrumentistas, são os últimos a ingressarem no palco. Ao longo de uma apresentação, o spalla trava um tipo de diálogo com o regente, sendo ponte entre ele e a orquestra de modo geral.

Humberto Milano e as 28 violinistas da Orquestra do Instituto Nacional de Música | reprodução do periódico Para Todos de 1925

As diferentes fases pelas quais a Orquestra Sinfônica da UFRJ passou condicionaram a ocupação do posto, seja por alunos, instrumentistas profissionais contratados ou servidores do quadro de técnicos da Universidade. Embora não atuasse propriamente na função de spalla, Maria Iacovino Valls (1912-2008), então uma menina de 12 anos, aluna da professora Paulina D’Ambrosio, integrou a primeira formação da Orquestra do Instituto Nacional de Música (INM) − antigo nome da Escola de Música (EM) da UFRJ, em 25 de setembro de 1924, de acordo com o maestro André Cardoso, da EM.

Mariuccia Iacovino | Foto: Acervo da Família Dauelsberg

Segundo Cardoso, Maria recebeu o diploma em 1927 e, após receber um prêmio do instituto, seguiu para aperfeiçoamento na Europa. Ao retornar, já com o nome artístico de Mariuccia Iacovino, construiu uma sólida carreira como solista e camerista. “Ela atuou em duo com seu marido, o pianista Arnaldo Estrella, professor do INM, no Quarteto do Rio de Janeiro e no Quarteto da Guanabara. A ela, dedicaram obras, dentre outros, os compositores Heitor Villa-Lobos, Francisco Mignone, Radamés Gnattali e Camargo Guarnieri”, contou.

O regente destaca a primeira spalla da sinfônica da Universidade: Yolanda Peixoto, que liderou a orquestra até 1934. Aluna de violino do professor Humberto Milano no INM, conquistou o prêmio Medalha de Ouro em 1927. Como camerista, atuou em duo com sua irmã, a pianista Yvone Peixoto. Na década de 1940, formou um quarteto com outras ex-alunas do instituto: a pianista Leonor Macedo Costa, a violista Carmen Boisson e a violoncelista Carmem Braga Bourguy. Yolanda atuou como solista à frente da Orquestra da Sociedade de Concertos Sinfônicos e da Orquestra do INM. “Ela também integrou o Trio da Rádio Vera Cruz e a Orquestra da Rádio Sociedade Fluminense. Foi professora de violino do Conservatório Brasileiro de Música. Dentre seus alunos, se destacam Ayrton Pinto e Paulo Bosísio”, revelou André Cardoso

Yolanda Peixoto | Foto: reprodução da revista Fon Fon de 1929

A professora Paulina D’Ambrósio (1891-1976) foi outra violinista que atuou diversas vezes como spalla da orquestra. Estava em tal função no dia 19 de outubro de 1938, quando, pela primeira vez, a orquestra foi regida por uma mulher, a maestra Joanídia Sodré (1903-1975) − professora que, por 20 anos, exerceu a função de diretora da Escola Nacional de Música (outro antigo nome da EM/UFRJ), direção de mais longa duração na história da instituição.

Paulina D’Ambrosio | Foto: acervo da biblioteca Alberto Nepomuceno

Em fevereiro de 1922, a professora Paulina estava no Theatro Municipal de São Paulo, junto com outros professores do INM, participando da Semana de Arte Moderna e interpretando obras de Villa-Lobos. Como docente, formou várias gerações de violinistas que, inclusive, se tornaram professores da Escola de Música em diferentes disciplinas, como Guerra-Peixe, Santino Parpinelli, Henrique Morelenbaum, Nelson de Macedo, Michel Bessler e Ernani Aguiar. “Sem dúvida, ela foi uma das mais atuantes violinistas de sua geração”, disse o maestro André Cardoso, que foi diretor da EM e é hoje dirigente de orquestras da instituição. De acordo com Cardoso, “a professora Paulina D’Ambrosio foi quem estreou no Brasil o Poema para violino e orquestra op. 25, de Ernest Chausson (1855-1899), obra que estará no programa da Orquestra Sinfônica da UFRJ no dia 11/4, tendo Mateus Soares como solista”, informou.

Else Baptista | Foto: acervo da família Baptista

Após a reestruturação da orquestra, em 1968, o nome que se destaca como spalla é o da professora Else Baptista (1924-2017). Nascida na cidade de Niterói, onde cursou o conservatório local, graduou-se em violino na classe do professor Oscar Borgerth. Casada com o maestro Raphael Baptista, atuou na Orquestra Sinfônica Universitária da Casa do Estudante do Brasil. “Na Escola de Música, foi professora de Prática de Orquestra. Foi uma das fundadoras da Orquestra Pró-Música, hoje Petrobras Sinfônica. Após a aposentadoria, integrou a Academia Nacional de Música e a Associação de Ex-Professores da Escola de Música”, disse o maestro.

Segundo André Cardoso, outras tantas mulheres atuantes na orquestra como instrumentistas e regentes poderiam ser destacadas, “mas aqui nos concentramos naquelas que atuaram na função de spalla, dentre as quais poderíamos incluir, ainda, em distintos períodos, Cremilda Marques, recentemente falecida aos 90 anos, Carmelita Reis, Vera Barreto e Antonella Pareschi. O último destaque vai para nossas atuais spallas, Priscila Rato e Andréia Carizzi, que levam à frente, com suas colegas instrumentistas, o legado deixado pelas diferentes gerações de mulheres que fizeram a história da Orquestra Sinfônica da UFRJ”, concluiu Cardoso.

Andréia Carizzi e Priscilla Rato são as atuais spallas da orquestra | Foto: Escola de Música da UFRJ