Categorias
Sociedade

Condições socioeconômicas afetam mortalidade por doenças cardíacas

Pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Cardiologia da UFRJ cruzam dados sociais e de saúde e indicam as populações mais vulneráveis às doenças no país

A melhora na qualidade de vida reduz as mortes por doenças cardiovasculares com o passar do tempo, menos para os mais pobres, sem acesso a hospitais, tecnologias e medicamentos. A desigualdade na taxa de mortalidade é comprovada por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que publicaram um estudo na revista científica Arquivos Brasileiros de Cardiologia. Os resultados mostram que regiões com maior nível de desenvolvimento humano apresentaram as menores taxas de mortalidade nos últimos 20 anos, em comparação às áreas com os piores índices.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores cruzaram dados relativos a uma análise da variação das taxas de mortalidade por doença isquêmica do coração (o popular infarto) e doença cerebrovascular (derrame) com os índices de desenvolvimento socioeconômico. Eles utilizaram o índice sociodemográfico (ISD), que avalia o nível de desenvolvimento socioeconômico, e o  índice de vulnerabilidade social (IVS), que mostra como a riqueza está distribuída em uma população. O período do estudo foi entre os anos 2000 e 2019. 

De acordo com uma das autoras da pesquisa, a professora Gláucia Oliveira, do Programa de Pós-Graduação em Cardiologia e do Instituto do Coração Edson Saad (Ices), o ISD é um indicador socioeconômico criado para medir o desenvolvimento de uma população e relacionado a fatores como renda, taxa de fecundidade e escolaridade média. Assim, quanto maior o índice sociodemográfico de um local, mais desenvolvida é a população do ponto de vista socioeconômico. No entanto, segundo Gláucia, é preciso que esse desenvolvimento seja distribuído igualmente para toda a população. Por isso, o artigo utilizou o IVS, que avalia as falhas na oferta de bens e serviços públicos a que todos deveriam ter acesso e atua de modo complementar aos índices de desenvolvimento social e humano. 

O estudo concluiu que a melhora das condições socioeconômicas é um dos fatores responsáveis pela redução das taxas de mortalidade das doenças cardiovasculares em questão. Como revela a pesquisa, a análise dos índices socioeconômicos contribuiu para a avaliação mais abrangente dos estados brasileiros, percebendo-se que a redução das taxas de mortalidade se deu de maneira desigual no país. Os melhores indicadores sociais e as menores taxas de mortalidade pelas doenças cardiovasculares se concentraram nas regiões sul, sudeste e centro-oeste do Brasil. Enquanto isso, as maiores taxas de mortalidade por doença isquêmica do coração estavam nos estados do norte e nordeste. O estudo destaca, ainda, que Roraima, Acre, Paraíba e Maranhão mais que dobraram suas taxas de mortalidade por essa doença. 

— Nós percebemos que as áreas que têm um menor índice sociodemográfico e uma maior vulnerabilidade social, os estados do norte e nordeste, têm uma maior mortalidade por doença cardiovascular, ou essa mortalidade não diminuiu ao longo do tempo ou ainda aumentou em linhas gerais”, explicou a professora de cardiologia. 

De acordo com  Gláucia, a ciência já demonstrava que hipertensão, diabetes ou sedentarismo aumentam o risco de morte por doenças cardiovasculares. Porém, o artigo acrescenta outro fator: os  determinantes sociais. “Não é só o desenvolvimento humano ou a renda. Tem que ocorrer uma evolução sociodemográfica e uma menor vulnerabilidade. Tem de fazer chegar a todos aquilo que é bom para a saúde. Não adianta tratar a hipertensão ou a diabetes por si só, porque as pessoas vão continuar morrendo por outras doenças cardiovasculares. Se não for no momento do diagnóstico, ao longo do tratamento ou na falta de reabilitação necessária”, explicou Gláucia. 

A distribuição da Covid-19 pelo Brasil é um exemplo, segundo ela, de como o nível de vulnerabilidade social agrava as condições de saúde da população Os mais afetados foram os que mais dependiam do Sistema Único de Saúde (SUS) e com menor poder aquisitivo. “É muito importante considerar o lugar onde o indivíduo vive como um determinante de saúde. Essa questão é um determinante social, mas também é um determinante de saúde”, reitera a professora.