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20 anos da Lei 10.639: quais caminhos podemos seguir?

O terceiro texto do especial sobre a regulamentação leva-nos a refletir sobre o futuro do ensino da história afro-brasileira e indígena nas escolas do Brasil

Em 2003, o Governo Federal aprovou a Lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira em escolas do ensino fundamental e médio, públicas e particulares. Em 2008, a Lei 11.645 estendeu a obrigação também ao estudo da história e cultura indígena nos mesmos estabelecimentos. Duas décadas se passaram e muitas lacunas em relação à implementação da Lei ainda precisam ser preenchidas. No terceiro e último texto do especial sobre a Lei, o Conexão UFRJ apresenta algumas dessas questões.

No Brasil existe a cultura de que algumas leis funcionam e outras não. São conhecidas como as que “pegaram” e as que “não pegaram”. Devido ao fato de muitas escolas ainda não cumprirem o que a Lei 10.639 estabelece há 20 anos, muitas pessoas têm a impressão de que ela é mais uma das leis que “não pegaram”. Por outro lado, há aqueles que − apesar dos reconhecidos problemas − destacam que o dispositivo foi de fato implementado.

Clarissa Lima é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ) e assessora pedagógica. Ela trabalha auxiliando escolas particulares a pensar acerca da diversidade em seus planejamentos pedagógicos e reconhece o valor que o instrumento possui. “A Lei por si só é um avanço muito importante para a educação brasileira. Não há dúvidas de que ela é uma grande vitória.” Clarissa destaca, no entanto, os entraves desse processo rumo à formação mais diversa no ciclo da educação básica: a dificuldade do entendimento de racialização das pessoas brancas, além da falta de formação de professores sobre o tema.

Quando falamos em raça, é comum que muitos pensem que esta seja uma questão ligada somente aos negros e indígenas, mas é importante entender que os brancos também possuem um pertencimento racial e, a partir daí, compreender qual é esse lugar social. Clarissa afirma que muitos professores a procuram alegando não ter lugar de fala para abordar o tema da história afro-brasileira nas escolas. Ela conta que a primeira coisa que explica nessas situações é que todos temos lugar de fala: “Se você tem relações sociais, você tem um pertencimento racial. Então, você tem um lugar de onde você fala. A questão racial não está totalmente vinculada à população negra ou à indígena. É preciso entender qual é a participação de cada ator social nessa história. E é a partir daí que você vai falar”, explica Clarissa. 

Aluna presta atenção na aula.
Foto: Fábio Caffé (SGCOM/UFRJ)

A segunda reportagem que o Conexão UFRJ publicou sobre a Lei 10.639/03 abordou também as diferenças em relação ao cumprimento da Lei em instituições privadas. Sem fiscalização, elas tratam sobre a temática racial em seus currículos da maneira que desejam. Há as que discutem o tema com a profundidade que ele merece e há as que se limitam apenas ao campo do folclore e da caricatura. 

Clarissa enxerga os sistemas de ensino como uma possibilidade de efetivação da Lei. Eles são modelos educacionais que a instituição adota e podem incluir materiais didáticos, ferramentas digitais e formação continuada para os profissionais da escola. Assim, a responsabilidade do cumprimento da Lei deixaria de ser algo exclusivo da vontade de alguns professores, em sua maioria negros. A pesquisadora também destacou as diferenças existentes entre as escolas particulares no Brasil. Segundo ela, as instituições particulares podem não ser apenas locais de privilégios, mas sim de ausências do poder público: “Vemos um hiato muito grande entre classes sociais nas escolas particulares. Muitas vezes, as escolas particulares estão em lugares onde as públicas não chegaram, então o privado acaba também se apropriando desses nichos para poder se instalar. São aquelas famílias que fazem um sacrifício para pagar, porque é o que tem ali no seu bairro, na sua cidade. Então, escola particular não necessariamente é um lugar de glamour, de status social; às vezes, é a única opção para quem tem filhos”, explica. 

A formação continuada de professores é um dos grandes obstáculos para o cumprimento da Lei. Os educadores precisam oferecer o conhecimento sobre história afro-brasileira e indígena para seus alunos, sem que, muitas vezes, eles mesmos tenham tido acesso a essas informações. Muitos cursos de graduação, inclusive os de licenciatura, não oferecem disciplinas que orientem os futuros profissionais para esse caminho. 

Em visita à UFRJ, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, afirmou que um dos principais gargalos para a implementação da Lei 10.639 é a formação dos professores. Segundo ela, o Ministério está fazendo um levantamento para saber onde a Lei está sendo aplicada e onde não está. A partir disso, os dados poderão ser inseridos no Plano Nacional de Ações Afirmativas para que a aplicação seja feita em conjunto com o Ministério da Educação (MEC) nas escolas.