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Pretonomia: por uma gastronomia preta

Projeto de extensão reúne diferentes setores da sociedade em formação de pessoas pretas e periféricas

No dia 16 de outubro é comemorado o Dia Mundial da Alimentação, tema importante que atravessa diversas áreas do conhecimento e da sociedade. Pensando nesta transdisciplinaridade, o Conexão UFRJ traz uma série de reportagens sobre iniciativas da UFRJ que abordam a alimentação de diferentes formas e possibilidades. Porque alimentação é direito, conhecimento e saúde.

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A alimentação é o que sustenta a vida. Já a Gastronomia é uma forma de reunir em uma área de conhecimento aprendizados e vivências interdisciplinares que falam não só sobre a comida em si, mas também sobre toda a cultura que circunda o ato de experimentar ou compartilhar um prato. 

Apesar do caráter relevante na sociedade, é recente o entendimento da área enquanto graduação: apenas em 1999 houve o primeiro curso aberto para alunos, na Universidade do Morumbi, em São Paulo. Na UFRJ, o curso de Gastronomia está ligado ao Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC) e foi criado em 2011 como um bacharelado, o terceiro em uma universidade federal do país. 

Ao refletir culturas, receitas e ingredientes, esses conhecimentos podem retratar diferentes realidades. No entanto, grades curriculares de cursos em todo o mundo têm um apreço especial por gastronomias europeias, como a francesa, inglesa e italiana, dispensando olhares para outros sabores, como os latinos e africanos. Vendo esse movimento e com o intuito de mudar o perfil de alunos que estudam a área, o professor Breno Cruz, do Departamento de Gastronomia da UFRJ, idealizou o projeto de extensão Pretonomia: Formação Profissional em Alimentos, Bebidas e Hospitalidade. 

Conduzido pelo docente com o apoio de alunos do curso, o projeto tem como objetivo  evidenciar a África e o povo preto na Gastronomia, falando sobre a culinária afro-brasileira, bem como sua diversidade, sabores, influências e religião. Para isso, entre 18/9 e 5/10, 21 alunos negros da Região Metropolitana do Rio puderam participar da formação multidisciplinar, que contou com aulas expositivas – práticas e teóricas – e a visita de renomados profissionais de cozinha, como a chef paulista Aline Guedes e a carioca Kátia Barbosa. 

Parceria 

A iniciativa é uma realização do bacharelado de Gastronomia da UFRJ em parceria com o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ) e o Hotel Hilton Rio de Janeiro Copacabana, onde são realizadas as aulas práticas, com a participação e direcionamento do chef argentino Pablo Ferreyra. Para ele, que está à frente de todas as cozinhas do hotel, o curso só tem a crescer, principalmente após ser eleito o melhor projeto de impacto social da Rede Hilton de Hotéis nas Américas, concorrendo agora no concurso global. 

O hotel apoiou o movimento com a disponibilização de um espaço para aulas e o fornecimento de alimentação e auxílio-transporte para os alunos. “Desde o momento em que começamos, já sabia que ia dar certo por ter a participação da UFRJ e do MPT-RJ. Os alunos não faltaram, nem chegaram atrasados, e isso mostra o interesse deles”, conta o chef.

Diante de tamanha ânsia por aprender, há um fato com que ambos profissionais concordam: o curso é sobre empoderar pessoas negras. Para o Breno, que celebra uma taxa de evasão nula, o Pretonomia faz parte de um movimento de luta na gastronomia a partir de um olhar racial. “É importante pensar no acolhimento. Quantos cursos têm a gastronomia de África no currículo como disciplina obrigatória? Meu lado não é o técnico; é o empoderamento. Dizer que eles podem”, defende.

Estudantes extensionistas da UFRJ com o coordenador Breno Cruz. | Foto: Ana Marina Coutinho (SGCOM/UFRJ)

Acolhimento

Entre 218 inscritos, apenas 21 foram selecionados. Os escolhidos fazem jus à vaga conquistada e aproveitam cada momento, seja aprendendo a fazer uma comida moçambicana, uma sobremesa ou um hambúrguer. Entre os estudantes, o sentimento geral é de acolhimento e celebração por terem sido bem recebidos pela equipe organizadora do curso da UFRJ, pelo MPT-RJ e por toda a equipe do hotel. 

Johnny Santos, de 36 anos, é ator e residente da Maré. Ele já tinha realizado outro curso na área de Gastronomia, mas dessa vez foi diferente. No Pretonomia, vivenciou um grande entrosamento entre alunos, convidados e gestão, sentindo-se acolhido também por todos os funcionários do Hilton. O diferencial, para ele, foi quando descobriu que o curso seria oferecido pela maior universidade federal do país. “Sempre achei que nunca poderia ser aluno da UFRJ, mas agora ter um certificado de lá vai me deixar realizado”, celebra.

Grupo de 21
Foto: Turma de formação Pretonomia. | Foto: Ana Marina Coutinho (SGCOM/UFRJ)

Entre homens e mulheres negras, a satisfação por viver aquelas experiências, aprender e se aprimorar para possíveis novos trabalhos, independentes ou não, era uma marca muito presente, como no caso de Mariliza dos Santos. Moradora de Bento Ribeiro, zona norte do Rio de Janeiro, a professora costumava não acreditar no seu potencial. Após começar a vender quentinhas nas redondezas de sua casa durante o período da pandemia, ela enxergou no Pretonomia uma oportunidade de dar uma guinada na sua vida. “Agora eu acho que eu posso e mereço. Meu objetivo é investir em mais cursos e seguir na carreira”, conta. 

São essas mudanças que Nathalia Nacif, integrante do projeto e estudante do 2o período de Gastronomia, fica feliz em ver. Ela, que também estava em busca de acolhimento, já demonstrou interesse pelo projeto assim que soube dele, antes mesmo de ter sido posto em prática. Acompanhando todas as etapas e sendo uma das responsáveis pela realização das entrevistas com os inscritos, ela sente que o trabalho a nutre de volta. “A nossa resistência é sonhar e ver onde a gente chegou. Essa é uma chance que poucos têm. Então a gente traz e leva muita coisa também. Dá um levante muito grande”, conclui a estudante.