Categorias
Sociedade

O conhecimento sinalizado

No Dia Nacional do Surdo, o Conexão UFRJ fala sobre uma das formas de garantir inclusão: a Língua Brasileira de Sinais

A população surda no Brasil ultrapassa a marca dos dez milhões de pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) retirados do Censo Demográfico de 2010. Esse número representa cerca de 5% da população total do país. Para garantir a essa população direitos e dignidade, muitas ações ainda são necessárias, especialmente a partir da criação e implementação de políticas públicas.  No dia 26/9, comemora-se o Dia Nacional do Surdo, uma data importante para refletir sobre inclusão e acessibilidade. 

No contexto educacional, o acesso das pessoas surdas às universidades desempenha um papel crucial nessa inclusão. Segundo informações da Diretoria de Acessibilidade da UFRJ (Dirac), atualmente, há um total de 157 estudantes surdos ou com deficiência auditiva matriculados na Universidade, além de 20 servidores, entre técnicos e docentes, que contribuem para tornar o ambiente acadêmico mais inclusivo. 

Também é importante destacar que a surdez é plural: há uma diversidade humana dentro da deficiência auditiva e, portanto, a acessibilidade também deve contemplar a todos. Alguns utilizam a Língua Brasileira de Sinais (Libras), por exemplo; outros, não. Alessandra Pereira é aluna do 4º período de Pedagogia na UFRJ e a única surda de sua turma. Ela tem o apoio de dois intérpretes que auxiliam e traduzem suas aulas. Apesar disso, ainda tem dificuldades com alguns textos em português: “Alguns professores compreendem que eu sou surda, que a minha língua principal é Libras e minha língua secundária é o português, mas depende. Durante esse processo eu orientei os professores para que tivessem essa compreensão, mas isso é uma luta que faz parte do processo.” 

Apesar das barreiras encontradas no meio acadêmico, ela consegue participar de projetos com colegas de classe que conhecem sua língua. “Na minha turma, não é todo mundo que sabe Libras. Alguns sabem, e quando eles vêm até mim eu fico muito feliz. Nesses grupos conseguimos desenvolver trabalhos e projetos, mas nem todos sabem”, conta Alessandra.

Inclusão por meio da Libras

A Libras ocupa uma função central no contexto da inclusão para um grupo específico de pessoas, os surdos sinalizados. Em 2002, o Brasil reconheceu oficialmente a Língua Brasileira de Sinais como um meio legal de comunicação e expressão, por meio da Lei nº 10.436/2002. Essa legislação estabeleceu a obrigação do poder público de garantir o uso e a disseminação da Libras, destacando a importância da formação de recursos para o ensino da língua. No entanto, apesar desse reconhecimento e das obrigações legais, dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019 – Ciclos de Vida revelaram que apenas 35,8% das pessoas que não conseguiam ouvir de modo algum, com cinco anos de idade ou mais, sabiam se comunicar em Libras.

Em 2021, após anos de reivindicações por parte de pesquisadores e da comunidade surda, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi modificada para incorporar a educação bilíngue para surdos nas escolas do país. Essa nova regra visa ensinar e alfabetizar crianças surdas nos primeiros anos de suas vidas utilizando tanto o português quanto a Língua Brasileira de Sinais. O objetivo da metodologia é possibilitar que crianças surdas se desenvolvam de maneira mais inclusiva, eliminando as barreiras linguísticas que dificultam a aprendizagem.

A Lei estabelece que esse método de ensino bilíngue deve ser implementado desde a educação infantil e estendido ao longo de toda a vida do aluno surdo, representando um compromisso com a equidade de oportunidades educacionais e a valorização da identidade linguística da comunidade surda no Brasil. Damaris Victorelli, pedagoga e estudante de educação inclusiva na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), compartilha que essa metodologia de ensino “é importante para que facilite a comunicação entre surdos e ouvintes em sua infância e também depois de adultos”.

Fotografia de um intérprete de Libras, no momento de uma sinalização, de pele branca e cabelos curtos e escuros. Ele está vestindo uma camisa polo preta.
Fotografia de um intérprete de Libras, no momento de uma sinalização, de pele branca e cabelos curtos e escuros. | Foto: Moisés Pimentel (SGCOM/UFRJ)

Para o auxílio de pessoas com deficiência auditiva, a Dirac disponibiliza intérpretes de Libras e facilitadores de aprendizagem nas salas de aula para apoiar os alunos, assegurando-lhes acesso ao conteúdo acadêmico. Além da presença em sala de aula, os intérpretes também participam de eventos acadêmicos para que todos consigam ter acesso ao conteúdo das apresentações.

Os profissionais são designados de acordo com o perfil de cada um, afinidade com as disciplinas e o nível de formação. Camila Aprigio, intérprete da UFRJ, conta que o processo depende de muita dedicação. Anteriormente às aulas, os professores enviam o plano de aula para ser traduzido e estudado pelo intérprete, para que o conteúdo seja apresentado de forma coerente. “É importante que a gente se prepare da melhor forma, com sinais específicos. Nós interpretamos desde biologia até algoritmo e programação, então é muita coisa que o intérprete precisa estar ali pronto para o serviço”, relata.

A troca também é primordial para o trabalho, por isso, antes de cada aula, os intérpretes conversam com os alunos para sanar dúvidas e combinar sinais específicos do conteúdo apresentado pelo professor. “A gente percebe uma extrema dificuldade principalmente porque alguns professores ainda não estão preparados para aulas com alunos surdos, mesmo no ensino superior. E às vezes isso acaba dificultando linguisticamente para o aluno. Para amenizar isso, nós fazemos essa adaptação no conteúdo”, conta Camila.

Compromisso com a inclusão

Na UFRJ, foram criadas ações para integração dos surdos no ambiente acadêmico. Um deles é o “Surdez em Foco”, evento anual que ganhou destaque na área. Coordenado pela professora Renata Razuck, da Faculdade de Educação da UFRJ, e promovido pelo Grupo de Estudos e Pesquisa Sobre Surdez (GEPeSS), o encontro tem como principal objetivo a divulgação de pesquisas e trabalhos relacionados ao tema. Com uma abordagem inclusiva, é aberto a graduandos, pós-graduandos, familiares e qualquer pessoa interessada, independentemente de ser surda ou ouvinte.

O evento acontecia de forma presencial em diversos locais, como a Universidade de Brasília e a UFRJ, com uma programação lotada de intensas atividades. Mas a chegada da pandemia de covid-19 impôs desafios e transformações significativas. Atualmente, a iniciativa se adaptou ao formato virtual, o que acabou por ampliar sua abrangência, já que agora permite contribuições de participantes de todo o Brasil, e até mesmo de outros países. A expectativa de Razuck é de que neste ano o projeto alcance um público ainda mais amplo. “Como aconteceu no evento anterior, a realização remota elimina fronteiras e abre portas para o compartilhamento de conhecimento, permitindo que a comunidade interessada na surdez continue a aprender e colaborar, independentemente de onde ele esteja”, compartilha a professora.

Neste ano, o “Surdez em Foco” acontece entre 27 e 29/11, mantendo o formato virtual. As inscrições estarão abertas a partir de 10/10. Para mais informações sobre o evento, visite o Instagram do GEPeSS.

A luta por uma universidade mais inclusiva é contínua. Tanto a sociedade como a comunidade acadêmica têm um papel a desempenhar para garantir que cada pessoa surda tenha a oportunidade de realizar seu potencial e contribuir para nossa diversa cultura brasileira. A inclusão nas universidades, o reconhecimento da Libras e a implementação da educação bilíngue são passos essenciais para tentar alcançar a equidade. 

Sob supervisão de Vanessa Almeida.

Agradecimentos especiais a Jacó Silva, intérprete de Libras da Diretoria de Acessibilidade (Dirac) e Bruno Praça,  que ajudaram na tradução das entrevistas para esta matéria.