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A vez delas em campo

Proximidade da Copa do Mundo Feminina leva mulheres e meninas a vislumbrarem cada vez mais espaço e visibilidade no futebol

Júlia sempre sonhou em ser atleta. As brincadeiras de rua, o pique-bandeira e o queimado que jogava quando criança se transformaram em paixão pelo esporte, que permanece até hoje. O futebol veio mais tarde, quando já treinava handebol na Vila Olímpica de São João de Meriti, município do Rio de Janeiro onde mora, e recebeu um convite para integrar o time dessa modalidade esportiva. Apesar de não se achar boa o suficiente para o esporte, a vontade de estar em campo prevaleceu. Hoje, ainda treinando na Baixada Fluminense, Júlia Nepomuceno, de 20 anos, tem o futebol como parte de sua rotina e dos seus sonhos e vê na próxima Copa do Mundo um potencial crescimento no destaque da modalidade feminina.

O Dia Nacional do Futebol, 19 de julho, véspera da estreia da Copa do Mundo Feminina de 2023, coloca em evidência a relação das mulheres com o futebol e a representação do campeonato para elas. Este é o 9º mundial feminino, que teve sua primeira edição no ano de 1991, na China. Com um passado histórico de lutas por espaço no esporte, as mulheres alcançaram mais uma vitória no cenário esportivo: a Copa de 2023, realizada na Austrália e Nova Zelândia, será a primeira feminina com 32 seleções em campo. No entanto, apesar das conquistas, dificuldades e desafios ainda fazem parte da rotina das atletas mundiais e das que sonham em um dia alcançar este lugar.

Júlia é estudante do 7º período de Educação Física na UFRJ e jogadora de futebol no time Jardim Sumaré. Sempre gostou de esporte e do que ele proporciona na vida de quem pratica: a adrenalina da competição e a admiração da torcida. No entanto, segundo ela, mais do que jogar, sua maior paixão é torcer ao lado de quem ama. “Eu amo jogar e falar de futebol, mas amo muito mais estar ao lado do meu pai assistindo o jogo. Virou um hábito nosso. O futebol já fazia parte da minha vida porque eu cresci acompanhando, mas hoje ele tem uma representação muito maior para mim”, conta Júlia. 

Júlia faz parte do time de futebol feminino de Jardim Sumaré / Foto: Ana Marina Coutinho (SGCOM/ UFRJ)

A Copa do Mundo Feminina, então, terá uma dupla importância para a estudante: como jogadora de futebol, ao acompanhar suas atletas de referência jogarem e a representarem, e como telespectadora, ao torcer pela vitória do seu país. No entanto, ela conta que o seu interesse maior pela modalidade feminina do mundial só começou mesmo durante a última edição em 2019, devido ao pouco conhecimento que tinha sobre o campeonato feminino. 

Sobre isso, a doutoranda da Escola de Educação Física e Desporto (EEFD) da UFRJ Ilana Nogueira explica que, no Brasil, ainda não há uma cultura tão forte de acompanhamento do futebol feminino, como acontece com o masculina, o que leva ao pouco investimento no setor. Segundo ela, apesar de se tratar do mesmo esporte com as mesmas regras em ambas as modalidades, não é possível comparar uma a outra. Isso porque o passado histórico do futebol feminino foi um empecilho para o desenvolvimento da categoria. Durante 40 anos, as mulheres foram proibidas de estarem em campo devido a um decreto de Getúlio Vargas assinado em 1941, que usava a justificativa de “prejudicar a maternidade”. “O futebol feminino hoje deixou de ser só o futebol feminino. Ele faz parte de uma luta maior. A luta pelos nossos direitos”, declara Ilana, que também trabalha na base do Botafogo Futebol e Regatas.

Em junho deste ano, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) anunciou  que serão destinados 110 milhões de dólares para a premiação total das seleções, o que inclui jogadoras, comissões técnicas e federações nacionais. O número representa um aumento de quase 300% em relação à quantia do mundial de 2019. No entanto, o investimento representa 25% dos 440 milhões de dólares destinados à Copa do Mundo de 2022 realizada no Catar. Além disso, a camisa 10 da seleção brasileira, Marta, vai para o mundial sem patrocínios de marcas, por avaliar que os valores são desproporcionais à sua carreira. A decisão faz parte do seu movimento “Go Equal”, que reivindica maior visibilidade e paridade no futebol feminino.

Assim como citado pela professora Ilana, o menor investimento na modalidade feminina também se dá pela falta de engajamento, interesse e até mesmo conhecimento da população. Segundo ela, é fundamental que tanto as marcas quanto os grandes veículos de imprensa e a população no geral se interessem e consumam o futebol feminino, para que haja, de fato, um investimento maior. “Nós precisamos introduzir o futebol feminino na nossa cultura. Consumir, acompanhar, conhecer as jogadoras e torcer por elas. A gente precisa torcer para os nossos times.”

O Governo Federal do Brasil decretou ponto facultativo para servidores federais durante os jogos da seleção brasileira, medida que já é comum em partidas da Copa do Mundo masculina. Além disso, o investimento da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) no time feminino também é inédito. Pela primeira vez, as jogadoras vão ao mundial com um Núcleo de Saúde e Performance voltado para  a saúde da mulher e com voo fretado.

Para a jogadora e estudante Júlia, ainda que existam desafios a serem enfrentados, é preciso reconhecer as conquistas dentro da modalidade feminina e a mudança de pensamento que vem ocorrendo ao redor do mundo nos últimos anos. Ela cita as seleções da Alemanha, Inglaterra e Espanha como referência no quesito investimento e valorização do futebol feminino. 

“Se a gente tem o que comemorar é por conta também de protestos de algumas seleções que entenderam que o seu trabalho é subvalorizado e decidiram protestar em nome do time e das gerações futuras. Elas valorizam o seu trabalho e seu desempenho e querem isso para todas. Isso é muito louvável”, completa.

Tanto Júlia quanto Ilana acreditam que o futebol feminino ganhará ainda mais visibilidade com a Copa do Mundo de 2023. Para a professora, a circulação de informações pela internet terá papel fundamental nesse cenário e fará com que mais pessoas tenham acesso aos jogos e seus desdobramentos. “Acho que a partir disso vamos construir novas formas de pensar o futebol feminino e de consumi-lo”, disse Ilana. 

Afinal, de acordo com Júlia, o futebol está presente no imaginário de todo brasileiro, independente do gênero. “O futebol é um sonho a ser conquistado. Sonho de ter uma importância, de ser melhor do que o hoje, de ser inspiração para alguém e de ser lembrado”.