Dias para se pensar. Mais do que um marco comemorativo, a Semana Nacional do Meio Ambiente propõe à sociedade uma reflexão sobre o cenário enfrentado em relação à área ambiental e os desafios que devemos superar. As recentes votações no Congresso Nacional geraram debates quanto ao paralelo entre interesses políticos e econômicos e a preservação do meio ambiente. Afinal, o que isso representa para a política ambiental brasileira e, por consequência, para a sociedade?
Conhecida como “tratoraço ambiental” por deslocar a lógica da política de preservação da natureza apresentada nos primeiros meses de governo Lula, uma série de medidas foi votada no Congresso Nacional durante o mês de maio. Uma delas foi o Projeto de Lei (PL) nº 490, conhecido como Marco Temporal, aprovado na Câmara dos Deputados no dia 30/5. O PL restringe a demarcação de terras indígenas aos povos que ocupavam o território a partir de 5 de outubro de 1988. A proposta agora segue para votação no Senado. Além disso, as duas Casas Legislativas também aprovaram a medida provisória (MP) de reestruturação dos ministérios, na qual a pasta do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) perderá a responsabilidade pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR), que ficarão a encargo do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, respectivamente. Enquanto isso, o Ministério dos Povos Indígenas deixará de homologar as terras de indígenas, passando a função para o Ministério da Justiça e Segurança Pública. A Câmara também votou, no dia 24/5, a MP que trata do Programa de Regularização Ambiental (PRA) na Mata Atlântica, na qual trechos que nada têm a ver com o assunto principal foram adicionados ao texto da medida, englobando desde questões como flexibilização do desmatamento de vegetação em estágio avançado de regeneração até o fim da obrigatoriedade do estudo prévio de impacto ambiental. Apesar de representarem o contrário do plano apresentado pelo atual governo no início do mandato, até mesmo partidos da base governista votaram a favor das medidas, o que causou impacto entre a sociedade civil. Nesta segunda-feira, 5/6 , o presidente Lula vetou os trechos adicionados, agora cabe à Câmara e ao Senado decidirem se derrubam o veto ou não.
Consequências prejudiciais
Para Carlos Eduardo Grelle, professor associado do Departamento de Ecologia do Instituto de Biologia da UFRJ, comprometer-se com um programa ambiental sério e efetivo é primordial para atrair investimentos para o Brasil e, assim, tornar o país cada vez mais relevante internacionalmente. Segundo ele, o que vem ocorrendo no Congresso, principalmente na Câmara dos Deputados, é a predominância de um pensamento imediatista, focado na produtividade e no lucro. No entanto, a longo prazo, serão inevitáveis prejuízos como a diminuição de florestas e recursos hídricos, mudanças climáticas cada vez mais intensas e desastres ambientais. É o que também mostra o último relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês), em que os termos “compromisso político”, “cooperação internacional” e “governança inclusiva” são considerados peças-chave na solução da crise climática no mundo.
“Esses trechos na MP da Mata Atlântica, por exemplo, levarão a um prejuízo ambiental brasileiro, que vai levar a um prejuízo econômico e, consequentemente, a uma perda de qualidade de vida da população”, enfatiza o professor.
Sociedade como parte do problema e da solução
Segundo Grelle, faltam políticos interessados, de fato, na área ambiental e que tenham conhecimento suficiente para compreender os processos ambientais. E o caminho para a solução deste problema está na ecologia e, principalmente, na divulgação científica – papel fundamental das universidades. Ele explica que a área ecológica é importante para entender as questões ambientais porque é responsável por estudar os processos ecossistêmicos e entender como a natureza funciona. Por exemplo, além de estudar o ciclo do nitrogênio, a ecologia também explica a importância dele para a agricultura e os impactos do gás no aquecimento global. “Pelos estudos dos processos ecológicos e evolutivos, a ecologia consegue mapear os problemas e, consequentemente, buscar soluções para eles”, diz Grelle, que também é um dos coordenadores do Programa de Pesquisa em Biodiversidade do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (PPBio/MCTI).
Semana simbólica para refletir
O meio ambiente é pauta mundial. Já não se fala mais em desenvolvimento sem pensar também em sustentabilidade e preservação de recursos naturais – ou, pelo menos, não se deveria. Mas, segundo Grelle, é preciso compreender o que está em jogo: A sociedade é parte fundamental do meio ambiente e, por consequência, a política também. Por isso, tanto a divulgação científica, quanto o livre interesse pelos assuntos voltados para o meio ambiente são essenciais para que o país caminhe como uma nação de referência no cenário ambiental. O docente explica que o Brasil já é muito conhecido e respeitado internacionalmente pela sua pesquisa científica, mas falta a inclusão da sociedade como um todo no conhecimento da preservação.
“Pensar em meio ambiente não é só uma atitude simpática à flora e à fauna, mas também a nós mesmos. O nosso bem-estar depende disso. O meio ambiente é nossa vida”, completa.
* A redação do Conexão UFRJ procurou os deputados Isnaldo Bulhões (MDB-AL) e Sergio Souza (MDB-PR), relatores das medidas provisórias de reestruturação dos ministérios e da Mata Atlântica respectivamente, acerca do posicionamento, mas não obtivemos resposta.
Sob supervisão de Vanessa Almeida.