Um prédio vermelho e amarelo no coração da Cidade Nova guarda a história e a força de uma profissão construída predominantemente por mulheres. A Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN), instituição pioneira na enfermagem moderna no país, completa 100 anos em 2023, celebrando sua memória e buscando renovação.
Segundo dados do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), 85% do corpo profissional da área é feminino. Desde os primórdios da profissão, os cuidados foram delegados a mulheres, principalmente aquelas ligadas à caridade e à religião. Porém, foi com Florence Nightingale que a enfermagem como conhecemos nasceu. A Dama da Lâmpada – apelido que ganhou por causa de suas rondas noturnas – atuou em hospitais militares durante a Guerra da Crimeia (1853-1856), promovendo mudanças que elevaram a qualidade do tratamento dos soldados feridos e doentes. Florence arejou as salas, priorizou a limpeza das mãos e objetos, orientou a troca e higienização de fômites, modificou a alimentação dos pacientes, entre outas decisões que salvaram milhares de vidas e hoje são base para a enfermagem moderna.
Entre tantas mulheres que construíram a trajetória da enfermagem, o Brasil também conta com uma referência histórica. Anna Nery, nascida na Bahia em uma família de médicos, teve seus filhos enviados para lutarem na Guerra do Paraguai. Unindo seu patriotismo com o amor materno, juntou-se ao Décimo Batalhão de Voluntários, encontrando milhares de soldados internados sem acesso a condições sanitárias e médicas. A baiana então montou uma enfermaria-modelo com recursos próprios, atendendo pacientes brasileiros e paraguaios, estabelecendo regras e organizando fluxos de trabalho. Assim como Nightingale, Anna foi reconhecida por sua dedicação e habilidades ímpares, sendo considerada a primeira enfermeira brasileira. Em homenagem às duas, em maio é celebrada a Semana da Enfermagem entre os dias 12, nascimento de Nightingale, e 20, morte de Nery.
A partir dos exemplos dessas mulheres e de muitas outras que construíram a profissão, o sanitarista Carlos Chagas criou a Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde, em 1923. A instituição, que posteriormente se tornou a EEAN, teve apoio da Fundação Rockfeller a partir da Missão Técnica de Cooperação para o Desenvolvimento da Enfermagem no Brasil. Composta por enfermeiras estadunidenses, a missão elaborou um currículo forte, misturando aulas teóricas e práticas, o que atraiu alunas de diversos estados.
Segundo Elisabete Pimenta, diretora da EEAN e enfermeira formada pela instituição, as atividades eram divididas entre o Pavilhão de Aulas, sede da unidade construída na década de 1920, e o Hospital Escola São Francisco de Assis (Hesfa). À época, a instituição também contava com um internato, que abrigava as estudantes e professoras no Flamengo. O prédio, hoje Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, foi o destaque da edição de março do Rolé.
“Somos a primeira escola de enfermagem moderna no Brasil e nos tornamos referência em todo o país, criando o Padrão Anna Nery (PAN). Meninas de diversos lugares vinham aprender aqui e levar os ensinamentos para seus estados. Muitas delas fundaram escolas em suas regiões”, conta.
A professora explica que o impacto do PAN era tão grande que foi um dos aspectos responsáveis pela formação da identidade profissional das enfermeiras brasileiras, com seus ritos, processos e tradições.
Em 1937, a Escola se tornou instituição de educação complementar ao Sistema Universitário na então Universidade do Brasil, atual UFRJ. Anos depois, em 1945, seu status foi elevado à categoria de Unidade de Ensino Superior, sob os cuidados de Laís Netto dos Reys, primeira diretora que também fora formada pela EEAN.
Atualmente, os mais de 800 estudantes da Escola, entre cursos de graduação e pós-graduação, dividem seus estudos entre o Pavilhão, o Centro de Ciências da Saúde (CCS), na Cidade Universitária, e unidades de saúde municipais conveniadas. Há uma grande demanda pela inserção desses alunos e de seus professores nas atividades práticas, o que evidencia a necessidade de mais espaços hospitalares e de investimento no corpo técnico da instituição.
Para Elisabete, o centenário mostra que momento agora é de comemorar a história, buscando melhorias para o setor e, também, inovação. “Aqui na EEAN queremos que nossos alunos sejam capazes de pensar a enfermagem do futuro, para além do cuidado que já realizamos hoje. Que sejamos capazes de pensar em inovações que vão melhorar a realidade do trabalho e do cuidado”, defende.
Memória e afeto
Silvia Carvalho, vice-diretora da EEAN, conta que tanto os estudantes quanto os trabalhadores da instituição desenvolvem uma relação de afeto e orgulho pela sua história. Muitos egressos retornam anos depois seja para continuar sua formação ou, ainda, para visitar o espaço.
“Há alguns anos realizamos um evento com ex-alunas formadas há décadas, muitas delas aposentadas da carreira, mas atuantes em outras áreas da enfermagem. Quando elas entraram nas salas, com as mesmas cadeiras de madeira antigas, a alegria era tanta que pareciam jovens chegando na universidade”, se emociona.
A diretora fala, com olhos marejados, sobre ser a atual responsável pela escola que a formou. “Eu sempre quis ser enfermeira e precisei fazer a segunda graduação para realizar o meu sonho. Tenho muito orgulho e fico muito emocionada de ter sido aluna desta instituição e de hoje, em seu centenário, poder dirigi-la”, comemora.
Edifício quase centenário
A construção do Pavilhão de Aulas foi iniciada em 1921, em um espaço cedido pelo antigo Asilo da Mendicidade, atual Hesfa. As obras só foram finalizadas em 1927, quando se tornou efetivamente a sede da unidade. Elaborado no estilo neocolonial carioca, o prédio de três andares ainda conta com as amplas portas e janelas originais, além dos pisos, azulejos, afrescos e mármores. Em 1986, o edifício foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
De acordo com o arquiteto Maurício Castilho, coordenador de Preservação de Imóveis Tombados do Escritório Técnico da Universidade (Coprit/ETU), o setor encaminhou pedido de licitação para a contratação de uma nova empresa para os projetos básico e executivo de restauração e modernização do prédio, mas ainda não há data para o processo licitatório.
“Também estamos fechando o pedido de manutenção predial específica para o edifício, contemplando telhado, parte hidráulica e elétrica. O processo está em fase de revisão de orçamento e deve ser enviado até o final deste mês para contratação”, prevê.
Para o ETU, o estado de conservação do prédio indica a necessidade de obras de restauração e adequação de uso à sua condição de patrimônio tanto arquitetônico quanto sanitário.
O espaço conta também com um museu que pretende resgatar e valorizar a memória da EEAN e das mulheres que construíram a enfermagem no Brasil. São peças históricas como documentos, uniformes, instrumentos, fotos, entre outros itens, que contam um pouco dos 100 anos da instituição.
Como chegar
A Escola de Enfermagem Anna Nery fica na Rua Afonso Cavalcanti, 275, na Cidade Nova. É possível chegar até lá de metrô, descendo nas estações Praça Onze ou Cidade Nova. O espaço é próximo aos pontos de ônibus da Avenida Presidente Vargas. Não há estacionamento no local.
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