Em reunião ordinária do Conselho Universitário (Consuni) realizada na última quinta-feira, 9/2, a ex-reitora Denise Pires de Carvalho se despediu presencialmente da comunidade acadêmica e agradeceu o apoio que teve durante a gestão. Ela havia feito carta também. Emocionada, a médica e também professora titular do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF/UFRJ) reafirmou que, durante seu mandato, buscou honrar a responsabilidade que lhe foi concedida.
“Eu vim aqui não para dizer que tenho a sensação de missão cumprida, porque não foi uma missão. Eu me candidatei e fui eleita para esse cargo. De maneira responsável, tentei, durante esses anos do meu mandato, fazer jus às responsabilidades que a comunidade acadêmica me deu. A primeira delas, defender a instituição acima de todas e todos que quiseram atacá-la. Espero ter feito isso adequadamente. Defender a Universidade Federal do Rio de Janeiro de todos os ataques internos e externos, que tentam, infelizmente, enfraquecer as instituições do nosso país. Governos autoritários sempre tentarão enfraquecer as instituições. Sejam eles governos eleitos, aparentemente de forma democrática, ou aqueles que, embora não eleitos, tentam de forma autoritária impor o que pretende uma minoria. Todos que ascendem ao cargo de reitores das universidades devem defender essas instituições de estado”, afirmou.
No discurso, Denise dedicou o primeiro agradecimento a um especial companheiro do cotidiano na Reitoria e reforçou a necessidade de valorizar os servidores públicos dos mais diferentes setores. “Eu quero agradecer muito, em primeiro lugar, ao motorista Fernando, que caminhou comigo aqui no Rio, em Macaé, em Caxias… Muitas vezes até tarde da noite. Então, em primeiro lugar, eu deixo aqui o meu muito obrigada ao Fernando. […] Em tempos em que os servidores públicos são tão questionados, é muito importante que eles sejam valorizados. Porque servir ao público é o que vai fazer com que o Brasil seja, efetivamente, uma nação que tenha um povo brasileiro respeitado e valorizado por todas e todos”, prosseguiu.
Relembrando o fato de ter sido a primeira reitora da história da Universidade, a professora fez questão de deixar um recado para as mulheres da comunidade acadêmica. “Não se deixem silenciar. Como primeira reitora dessa Universidade, eu deixo esse recado. E nós não nos deixamos ser silenciadas durante o meu mandato. Tivemos inúmeras tentativas… diversas. Por favor, não se deixem silenciar. Somente assim construiremos uma sociedade mais equânime, mais igualitária, mais justa, com igualdade de gênero e de etnia. Se nos deixarmos silenciar, não alcançaremos aquilo que nós almejamos: uma sociedade menos injusta.
Tive a grande honra de assinar a portaria de criação da Ouvidoria da Mulher, importantíssima para combater os casos de assédio e violência de gênero em nossa Universidade. Mas precisamos avançar ainda mais na área de Direitos Humanos, em políticas da nossa Universidade, que com certeza se catalisarão na sociedade.”
Em sequência, aproveitou para compartilhar com o colegiado um pouco de suas opiniões a respeito dos recentes acontecimentos em nosso país:
“O Brasil é um país em construção e eu decidi aceitar esse desafio de participar do atual governo, que é um governo da ‘união e reconstrução’. A união será muito difícil, porque é muito mais fácil parecer unido do que estar unido. Precisamos estar unidos porque nós vimos, ninguém precisou nos contar, há um mês, os atos antidemocráticos e as tentativas de golpe acontecendo. Esse é o governo que pela primeira vez, nos primeiros cem dias, terá como meta, para além das anunciadas pelo presidente Lula, manter a democracia e impedir golpes. Porque ainda há tentativas de golpe. […] O que está em jogo é o que queremos de um país. Um país que seja efetivamente desenvolvido não será sem educação pública de qualidade. Um país que seja desenvolvido não será sem universidades. Não à toa um dos ministérios mais afetados foi o Ministério da Educação. Sem educação não há soberania do povo, sem educação não há projeto de país soberano. E nós precisamos lutar contra ditaduras, contra os atos antidemocráticos e contra o projeto de nação explorada. Estaremos unidos: eu, agora de Brasília, junto com vocês”, disse Denise.
Antes de concluir a fala, a ex-reitora também dividiu com o conselho o que espera da UFRJ nos próximos anos: “Nós precisamos discutir um colegiado conjunto de ensino, pesquisa e extensão. Porque, afinal de contas, não pode ficar apenas na lei que ensino, pesquisa e extensão são indissociáveis. Precisa ficar na prática, nós não podemos caminhar no sentido de termos colegiados separados [para esses pilares]. […] Precisamos discutir mais políticas de acessibilidade, de inclusão, de permanência. E para isso nós desenhamos uma nova superintendência, que está em análise e deve ser encaminhada pela atual Reitoria em continuidade. […] Essa superintendência, se o conselho a aprovar, terá uma grande importância, e por isso eu chamo a atenção dos conselheiros e das conselheiras. Não podemos continuar com comissões de heteroidentificação que sejam portariadas [sic] por reitores, porque portarias são revogadas. Não podemos mais continuar com fóruns de acessibilidade e inclusão que podem ou não ser convocados. Precisamos definir políticas verdadeiras de inclusão, que se perpetuem ao longo do tempo independentemente das leis que os nossos parlamentares decidirem com relação às cotas étnico-raciais. Nós temos autonomia para isso e é a hora de ser feito. Espero que antes do término do mandato do reitor em exercício isso aconteça, que esse colegiado possa caminhar nesse sentido”, afirmou.
Por fim, Denise reforçou duas palavras presentes em seu discurso de posse e voltou a falar sobre os desafios encontrados no ambiente acadêmico e na sociedade brasileira: “’Respeito’ foi uma palavra que eu salientei porque era muito importante que a primeira reitora mulher fosse respeitada. Porque há em torno de nós muito machismo, e volto a falar do machismo não à toa. Há muito machismo! [Algo] que não é uma característica exclusiva do sexo masculino e existe em todos os gêneros. Uma tentativa de retirar as mulheres dos cargos, dos locais e dos destaques que porventura venham a ocupar. Nós não seremos silenciadas e pedimos respeito. Eu fui muito respeitada, tenho que agradecer à comunidade acadêmica pelo respeito e pelo apoio que tive durante esses quatro anos. Muito obrigada! Pedi na posse e fui respeitada, mas considero também que eu respeitei muito todas as decisões do colegiado durante o meu mandato. A segunda palavra que eu destaquei durante o meu discurso de posse foi ‘liberdade’. E nós vimos recentemente o quanto é importante que disputemos a liberdade. A liberdade de expressão, a liberdade em todo seu significado. […] O povo precisa entender e respeitar esse projeto para que ele continue sendo livre e não explorado, como vimos o que tem acontecido não só com o povo Yanomami, mas também aqui na cidade do Rio de Janeiro. Do nosso lado, no nosso bairro, mas a gente finge que não vê. Há desnutrição na cidade do Rio de Janeiro, há desnutrição no estado do Rio de Janeiro. Há pobreza em todos os locais desse país e isso não pode continuar acontecendo. Eu espero que nenhuma reitora ou reitor precise sair escoltado deste colegiado. Nunca mais nessa Universidade enquanto a democracia existir nesse país. Quero agradecer o respeito, a liberdade, e que nós possamos seguir reafirmando as atitudes republicanas e democráticas, porque ditadura nunca mais; democracia, sempre. Muito obrigada!”
Eleita em 2019, a agora secretária da Educação Superior passa o cargo para o vice-reitor, o professor do Instituto de Economia (IE/UFRJ) Carlos Frederico Leão Rocha.
Este texto é resultado das atividades do projeto de extensão “Laboratório Conexão UFRJ: Jornalismo, Ciências e Cidadania” e teve a supervisão do jornalista Victor França.