Categorias
Saúde

Os mecanismos do Alzheimer

Pesquisador do Laboratório de Doenças Neurodegenerativas da UFRJ fala sobre seu trabalho e as últimas descobertas sobre a doença de Alzheimer

Uma doença que se inicia com a perda de memória e progride até o declínio das funções cognitivas e neurodegenerativas. Há mais de quinze anos, Mychael Lourenço, professor do Instituto de Bioquímica Médica (IBqM) da UFRJ, dedica-se ao estudo da doença de Alzheimer.

Foi no Laboratório de Doenças Neurodegenerativas (LDN), do IBqM, que Lourenço desenvolveu o “conjunto da obra” premiado com o Blas Frangione Early Career Achievement Award, concedido pela Alzheimer’s Association no dia 1º/8.

Pesquisador da UFRJ foi premiado pela Alzheimer’s Association por contribuição significativa para a ciência. Mychael Lourenço foi reconhecido pelo potencial de impactar o campo da neurociência | Foto: Reprodução

O trabalho do Laboratório ao longo dos anos compreende entender como uma pequena proteína, um peptídeo beta-amiloide, produzida pelos neurônios, se agrega, formando vários grumos e se acumula no cérebro de pacientes com doença de Alzheimer. A participação no processo de neurodegeneração e a perda de memória também são alvo da atuação do LDN.

“A gente já sabe também há alguns anos que, na verdade, são as partes menores dessa proteína que parecem ser as principais causadoras da perda de memória, porque, como são menores, conseguem se espalhar pelo cérebro mais facilmente, e atacar as regiões de contato entre os neurônios”, conta Lourenço ao Conexão UFRJ.

Há oito anos, o grupo mostrou que esse mecanismo de ação desses pequenos agregados de beta-amiloide − chamados de oligômeros beta-amiloide − causa estresse nos neurônios, que ficam com vias de sinalização alteradas, passando, assim, a se comportarem de forma diferente. Dessa forma, os neurônios não conseguem se comunicar de forma adequada entre si. Isso se relaciona com uma função importante dos neurônios: a produção de novas proteínas. “Nós só conseguimos aprender e manter informações, memórias no cérebro porque, a cada evento de aprendizado, neurônios específicos do nosso cérebro passam a produzir mais proteínas para dar suporte àquele aprendizado”.

Lourenço faz uma analogia com o que acontece na hipertrofia muscular.

Quando vamos à academia e malhamos, estamos atribuindo uma certa carga a músculos específicos, e eles precisam produzir proteína para crescer de tamanho e conseguir suportar aquele peso que estamos carregando. No cérebro, não é que os neurônios cresçam de tamanho, mas eles refinam e melhoram a comunicação entre aqueles que estão sujeitos a uma determinada memória, a partir dessa produção de novas proteínas.

Mychael Lourenço, pesquisador da UFRJ

São esses oligômeros que costumam depositar-se na comunicação entre neurônios e causar a perda de memória.

Ele explica que, quando os oligômeros beta-amiloides atrapalham a produção de novas proteínas, significa um prejuízo nas sinapses, na comunicação entre neurônios, e, portanto, a incapacidade de formar novas memórias.

Acredita-se, segundo Lourenço, que eles sejam os principais causadores da perda de memória na doença de Alzheimer quando estão em quantidade aumentada em relação a uma pessoa saudável.

O professor do IBqM conta que o Laboratório mostrou também em modelos animais que esses oligômeros atrapalham a mensagem que a insulina transmite ao cérebro − a sinalização de insulina é diminuída no cérebro em quadros de Alzheimer. “Tudo isso em conjunto, associado a mecanismos que outros laboratórios mostraram, acaba prejudicando a memória na doença de Alzheimer. Se isso é verdade, então, desenvolver medicamentos e fármacos que possam interromper esses mecanismos prejudiciais pode ser uma estratégia terapêutica interessante”, diz o pesquisador.

Mudar o estilo de vida também tem se mostrado importante para prevenir a doença de Alzheimer. Isso é uma das justificativas para o grupo estudar o exercício físico, pesquisa a que Lourenço se dedica nos últimos sete anos.

O exercício físico tem um papel protetor na doença de Alzheimer. Diminui, em pacientes, a velocidade do declínio cognitivo, mas não cura a doença. Nós mostramos, então, que a irisina, hormônio liberado pelo músculo e cérebro depois do exercício físico, protege a própria área cerebral contra os danos relacionados ao Alzheimer.

Mychael Lourenço, pesquisador da UFRJ

Foi esse conjunto da obra que garantiu a premiação.

A pesquisa com principal destaque foi sobre a irisina. O hormônio tinha sido identificado por um grupo da Universidade Harvard, em 2012, como relacionado ao metabolismo. Os estudiosos mostraram que a irisina tem uma dupla função importante no cérebro que não era conhecida: proteção em modelos de Alzheimer e a mediação dos benefícios do exercício físico no cérebro.

A imagem mostra neurônios expostos aos oligômeros de beta-amiloide (AbOs) tratados ou não com irisina. Os neurônios tratados com irisina tem mais pontos verdes em seus prolongamentos, indicando mais sinapses (mais comunicação entre neurônios) | Imagem: Mychael Lourenço, Sergio Ferreira e Fernanda de Felice (UFRJ)

A área de estudos do Alzheimer apresenta seus desafios. Lourenço conta que o grande obstáculo hoje tem relação com os testes clínicos feitos em modelos animais: muitos dos achados acabam não se revelando eficazes quando testados em pacientes. Além disso, existem poucos medicamentos aprovados para o combate ao Alzheimer e eles não interrompem a doença: funcionam no início do tratamento, mas depois deixam de surtir efeitos.

“Existe ainda muita controvérsia no campo sobre as causas específicas da doença de Alzheimer, além, claro, de ser uma área bastante competitiva em termos de ciência, de estratégia científica”, avalia o jovem cientista, que conta que há muitos grupos trabalhando em busca de um tratamento que funcione de fato. “São muitos artigos e muitos grupos no mundo todo pesquisando uma mesma área e, claro, buscando ser os primeiros a descobrirem mecanismos e tratamentos que funcionem na prática.”

Compreendendo o Alzheimer

Lourenço explica que a doença de Alzheimer tem a perda de memória como principal sintoma. É uma doença progressiva, em que as pessoas perdem as habilidades cognitivas, a individualidade e a autonomia. “Provavelmente, do que a gente sabe hoje, ela começa muitos anos antes dos sintomas clínicos aparecerem, talvez décadas”, comenta. A doença se inicia com o acúmulo no cérebro do peptídeo beta-amiloide − que todos nós temos −, gerando uma “cascata de problemas”. Entre eles, estão a perda de comunicação eficiente entre neurônios e até a sua morte, o que leva o paciente aos sintomas clínicos mais perceptíveis da doença.

O Alzheimer é a principal causa de demência e não existe nenhum tratamento eficaz. O que se tem hoje, explica o pesquisador, são alguns medicamentos aprovados para uso, que geralmente agem sobre a neurotransmissão. Há dois anos, aprovou-se um novo medicamento, um anticorpo monoclonal, que o paciente recebe diretamente na veia e que busca bloquear o beta-amiloide.

“No entanto, esse medicamento está também sob muita controvérsia porque seus resultados clínicos não são claros e acabam gerando dúvidas se ele deve ser prescrito ou não para os pacientes.” Uma outra causa da doença de Alzheimer é o acúmulo da proteína TAU, que também é alvo de inúmeras pesquisas que visam identificar os seus efeitos tóxicos, destaca o pesquisador.

Diagnóstico e outras descobertas

O diagnóstico da doença de Alzheimer é, na prática, feito de forma clínica, eventualmente com exames de imagem. Na prática, costuma-se fazer entrevistas com pacientes e os familiares, como também testes neuropsicológicos − formulários que o paciente preenche analisando questões como, por exemplo, capacidade de orientação e compreensão de dia, mês e ano. Exames complementares, como de imagem e ressonância magnética podem ser feitos, apesar de não serem comuns, entre outros.

Só recentemente, conta Lourenço, a comunidade científica tem descoberto marcadores precoces no sangue, que podem indicar o início do quadro da doença de Alzheimer. Trata-se de quantidades muito pequenas do peptídeo beta-amiloide no sangue, mas que aumentam em pacientes da doença, e também versões modificadas da proteína TAU, que aumentam nos pacientes de Alzheimer. No entanto, essa descoberta ainda vai levar alguns anos para se estabelecer na prática clínica.

Os trabalhos do Laboratório têm mostrado que existe alguma conexão entre a doença de Alzheimer e a depressão. “Frequentemente, você tem pacientes com Alzheimer que desenvolvem quadros depressivos e também pacientes com depressão que apresentam maior risco de desenvolver Alzheimer mais tardiamente, como na terceira idade.”