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Da Sala de Aula: obstáculos pessoais e inseguranças na trajetória docente

Em relato pessoal, Bruno Garcia fala sobre a timidez no processo de sua formação como professor

Meu nome é Bruno. Sou professor, sou biólogo, sou botânico. Primeiramente, professor, pois desde criança me identifico com a figura do docente, e foi algo com que sonhei desde pequeno. Vim do interior de Minas em uma época – não tão remota – e um lugar em que nós, ainda crianças, brincávamos na rua livremente. Eu corria, brincava de pique, mas também tinha uns gostos diferentes. Uma das coisas de que eu mais gostava era brincar de “escolinha”, mas sempre queria ser o professor – para a irritação dos meus amiguinhos. 

Na pré-escola, eu gostava de ficar na sala de aula na hora do recreio, pois aí eu podia desenhar e escrever no quadro-negro. Sem dúvida alguma, aí já pulsava a veia do professor em mim. Sei que sim, pois me lembro do meu sentimento ainda tenro quando vislumbrava essa profissão tão incrível. Sei que muitos professores adquirem gosto pelo ato de ensinar com a prática, mas no meu caso não foi assim. O sonho já estava em mim. O que eu precisaria vencer seriam muitos obstáculos internos até chegar nos dias de hoje. 

Ser professor não é apenas um dom, e nem tampouco um título que se obtém automaticamente, cumprindo protocolos formais. Os obstáculos pelos quais passei não são sociais. Eu teria que vencer a timidez e a insegurança para chegar até aqui hoje. Fui uma criança tímida e reservada.

Sempre gostei de ler e brincar sozinho, apesar de brincar muito com os meus melhores amigos da vizinhança. Na escola e em grandes grupos, eu era (e ainda sou) daquele tipo de gente que mais ouve do que fala. A timidez era muito marcante na minha infância. Eu era tão tímido que os meus colegas no ensino médio tinham que me acalmar para que eu conseguisse falar. 

Quando fiz concurso para entrar na UFRJ – mesmo já exercendo a profissão em outra instituição –, um membro da banca afirmou, categoricamente: “Você é uma pessoa tímida. Como vai fazer para chamar a atenção dos alunos?”. Foi a pergunta que expôs meu maior desafio. Esta resposta foi difícil, mas respondi com o que eu tinha na mão: minhas experiências docentes anteriores. E aí que a experiência que eu já tinha – ainda que pouca – fez diferença na resposta.

Voltando um pouco ao tempo do Bruno ainda adolescente: como uma pessoa tímida sonhava em se tornar um professor? Esse caminho da timidez, misturado com um pouco da minha sexualidade ainda reprimida, foi se soltando aos poucos na minha trajetória, principalmente na universidade pública onde entrei – a UFMG – e onde pude conviver com a diversidade de pessoas e pensamentos. Reitero sempre – com muita força – o papel fundamental que a universidade pública teve em minha formação, e não estou falando só das disciplinas, nem dos professores doutores, que são pesquisadores de ponta, ensinando os conteúdos atualíssimos. 

Além de aprender milhares de conteúdos novos, questionadores, com professores envolvidos na produção de conhecimento, eu aprendi que transmitir conhecimento era bom. Foi lá que comecei a me soltar mais, depois de me tremer tanto em apresentações de trabalho na escola. Ali, fui desafiado a fazer muitas apresentações – pessoais, de trabalhos, de projetos –, fui representante discente e aprendi a dialogar. Além disso, aprendi muito mais sobre o que acho essencial na universidade: respeitar, conviver, e principalmente, amar a diversidade. 

Minha sexualidade nunca foi um entrave familiar (ou foi, mas muito pouco) para que eu pudesse ser uma pessoa livre e feliz, o que eu agradeço como mais um privilégio que me ocorreu. Me aceitei como sou quando era estudante na UFMG, universidade que me formou e me mostrou que o convívio com a diversidade era salutar e importante para a construção de uma sociedade mais livre e justa. A universidade pública, com todos os seus agentes diversos, me tornou uma pessoa mais tolerante, até comigo mesmo, e que sonha com a justiça social. Esse é apenas um dos inúmeros papéis que uma universidade pública brasileira tem e que refletiu em mim, e que eu tanto agradeço por ter tido a oportunidade de vivenciar.

Mas não foi assim que me livrei da timidez. Como disse – ainda sou tímido. E o que respondi para aquela banca do concurso? A verdade. Sou uma pessoa tímida, mas cada um tem seus mecanismos de dialogar com os alunos. Minhas primeiras aulas eram divididas em partes expositivas – onde eu ainda patinava (e patino) na arte de ser um showman – e outras que envolviam a participação ativa dos alunos. 

Eu dividia os alunos em grupos (o que eles adoravam, pois podiam conversar à vontade) e ia conversando com cada um deles, entendendo o caminho por onde iam construindo os conceitos e criações propostos para a aula. E nesse momento eu conseguia sua atenção. Daí conseguia me aproximar deles e, assim, ao mesmo tempo, ir me soltando. 

A mensagem que trago aqui é esta: se aproximem dos alunos. Entendam quem são eles. Entendam quais são suas paixões. Com o tempo, com a formação e com o interesse, você – que sonha em ser professor e ainda se acha muito tímido – vai conseguir encontrar seus próprios trilhos. 

Se conseguir se apaixonar pelo que você ensina e mostrar para o aluno a importância e o brilho daquilo, você será um professor exemplar, mesmo não sendo um showman. Foi nesse caminho que segui e que me motivou a buscar o brilho nos olhos dos alunos. Até que um dia, saindo da sala de aula, uma estudante da UFRJ me procurou no corredor e me disse: “Obrigada pela aula. Você realmente é apaixonado pelo que você ensina. A gente sente a empolgação e o brilho nos olhos”. Aquilo me marcou – e até hoje me lembro exatamente do momento. 

E da pergunta da banca do concurso. São dois momentos que vão me marcar pelo resto da minha trajetória, e de que vou sempre me lembrar, para sempre me abrir às críticas. Afinal, são aqueles professores que fazem seu melhor que são capazes de impactar de verdade a vida de um aluno. E essa é a nossa função.

Bruno Garcia Ferreira é mineiro, biólogo e professor do departamento de Botânica do Instituto de Biologia da UFRJ desde 2018.