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Meio Ambiente

Energia do lixo

Usinas de Recuperação Energética transformam resíduos em eletricidade e ajudam a reduzir o aquecimento global

Com a adoção de novas tecnologias para controle de poluentes, o Brasil parece seguir para a solução de dois problemas de uma vez: eliminar grande parte do lixo produzido nos centros urbanos e de quebra aumentar a produção de energia elétrica. Embora o melhor caminho seja a reciclagem, a realidade é que falta no país cultura e planejamento para lidar com os resíduos sólidos urbanos. Mas a solução também pode vir das Usinas de Recuperação Energética (UREs), termelétricas capazes de gerar energia enquanto queimam tudo aquilo que ninguém aproveitou.

Para mudar a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 4.603/2021, de autoria da senadora Rose de Freitas (MDB-ES), que prevê a incineração do lixo como fonte térmica de energia elétrica, alternativa que pode reduzir em 90% o volume dos resíduos e rejeitos. Mas a realidade já está saindo do papel.

Em setembro do ano passado, a empresa Orizon Valorização de Resíduos ganhou o leilão de energia realizado pelo governo federal e começará a operar em Barueri, Região Metropolitana de São Paulo, até 2026 – a primeira usina do gênero na América Latina. Outros dois projetos brasileiros de geração dependem de aprovação em leilões para obter financiamento e gerar energia nessa modalidade: no Rio, no bairro do Caju; e em São Paulo, na cidade de Mauá.

No Brasil, a maior parte dos resíduos sólidos urbanos  coletados são depositados em aterros sanitários. Segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abelpre), em 2020 foram coletados 46 milhões de toneladas de resíduos, uma estimativa de 60% do que foi recolhido. Os outros 40%, porém, foram parar em lixões e aterros controlados, áreas de disposição inadequada que ainda estão em operação. Todo esse lixo em decomposição, além de ser um risco para contaminação dos lençóis freáticos, ainda produz metano, gás que pode ser até 80 vezes pior que o carbono para os efeitos do aquecimento global, conforme indica o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Climáticas (IPCC), das Nações Unidas.

Outra vantagem em prol das UREs é a possibilidade de serem construídas em áreas reduzidas, evitando os longos deslocamentos até as regiões remotas onde atualmente se situam os aterros sanitários. De acordo com o professor Marco Aurélio dos Santos, do Programa de Produção Energética (PPE da Coppe/UFRJ), o Japão emprega UREs para tratar 78% dos resíduos, bem como outros países europeus (Holanda, com 42%; Suíça, com 48%; Dinamarca, 58%; França, 40%; Suécia, 52%; e Alemanha, com 30%). “Elas são uma boa alternativa quando falamos em sustentabilidade. Melhor seria se implementássemos a economia circular no dia a dia. O Brasil destina 90% de seus resíduos a lixões, aterros controlados e aterros sanitários. Em minha opinião, o aterro sanitário é uma solução temporária que não atende todos os princípios de uma sociedade sustentável” afirma Santos.

Para ele, a tecnologia evoluiu muito e hoje há sistemas de controle de gases totalmente confiáveis, capazes de evitar os poluentes orgânicos persistentes (POPs), entre eles as dioxinas e os furanos (derivados da mistura em temperaturas inferiores a 800 ºC de carbono, oxigênio, cloro e hidrogênio).  A liberação desses gases é a principal argumentação dos que são contrários à queima dos resíduos. Os críticos à incineração também ponderam que haverá desestímulo ao consumo consciente, além de ameaça ao sustento de famílias que sobrevivem como catadores de lixo.

O professor Marco Aurélio dos Santos reconhece que há perda do controle sobre o que entra na caldeira, e monitorar o que sairá de lá pode ser muito caro.  Ele defende a necessidade de implementação de sistemas de controle de gases e partículas bastante eficientes. Entretanto, ao analisar sob a ótica do efeito estufa, há clara vantagem para as UREs. “Elas vão emitir apenas o dióxido de carbono (CO2) resultante da queima dos materiais, enquanto os aterros sanitários, mesmo aqueles que fazem captura de biogás, liberam metano para a atmosfera. Sem contar que todo o material direcionado para a usina é destruído (queimado), restando 2% apenas de cinzas – ou seja, não temos problemas com passivos ambientais para gerações futuras”, enfatiza o pesquisador da Coppe/UFRJ.

Pouco adianta comparar o custo das diferentes alternativas para destinação do lixo sem avaliar o real custo ambiental que cada uma carrega, segundo o docente. “No caso das UREs, o governo deveria criar mecanismos indutores para sua viabilidade, por meio da monetização da degradação ambiental das alternativas (lixões ou aterros controlados, sanitários, industriais etc.) de disposição de resíduos no meio ambiente. Dessa forma, a sociedade – inclusive os gestores municipais – veria com clareza o real custo ambiental de cada opção. Criar consórcios intermunicipais para destinação de resíduos para UREs estrategicamente localizadas e apoio à nacionalização da fábricas de equipamentos visando à diminuição de custos de instalação, entre outras medidas, seriam bem-vindas”.

Na opinião de Santos, com os constantes desmandos da alta administração pública brasileira, a atual fiscalização ambiental se tornou precária. “Mas os governos mudam, e podemos dar um impulsionamento significativo nas políticas ambientais no país. Fazer a fiscalização de gases poluentes não é uma tarefa tão complicada assim. Temos competência adquirida ao longo de anos de capacitação profissional dos nossos técnicos. As usinas seriam obrigadas a promover o automonitoramento de suas emissões e seriam apenas supervisionadas pelos órgãos públicos ambientais. Um decreto federal de janeiro, que regulamenta o PNRS, entre outras questões, já obriga que os resíduos com características inflamáveis sejam destinados a essas usinas para gerar eletricidade – caso exista uma unidade ambientalmente licenciada em um raio de 150 km.”

Um estudo da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren) aponta que seria possível instalar pelo menos uma URE em cada uma das 28 regiões metropolitanas com mais de um milhão de habitantes. Reunidas, elas seriam capazes de produzir o equivalente a 3% da energia brasileira, o que mostra o potencial da fonte para se tornar mais presente na matriz energética brasileira que a geração solar (2,6%) ou a nuclear (1,2%). “O governo tem de estudar o assunto mais a sério e atuar proativamente na viabilização de tais tecnologias em nosso país. Enquanto não criarmos uma economia totalmente circular, com alto grau de reciclagem de nossos resíduos, as UREs poderão ser a solução dos resíduos e uma fonte de energia elétrica à disposição da sociedade”, conclui o professor.