Categorias
Saúde Tecnologias

De olho nos números, mas não sozinhos

Com o avanço da variante ômicron, dados compilados pela UFRJ revelam altíssima taxa de contaminação

Após um período de relativa tranquilidade na pandemia de covid-19, o Brasil, assim como o resto do mundo, viu os números de infectados subirem vertiginosamente. A variante ômicron, principal responsável pelo aumento, elevou a taxa de transmissão e causou, até mesmo, o fechamento do comércio e indústrias por falta de pessoal.

O Covidímetro, instrumento produzido pelo Grupo de Trabalho (GT) Multidisciplinar para Enfrentamento da Covid-19 da UFRJ, sintetiza os dados oficiais divulgados pelo Ministério da Saúde (MS), estado e municípios do Rio de Janeiro, e revela a taxa de contágio do vírus, representada pela letra R, na região. Após o apagão de dados das bases do MS ocorrido no final de 2021, os pesquisadores viram os números dispararem.

O modelo matemático do Covidímetro, disponibilizado desde o início da pandemia, calcula a taxa para um novo período de observação com base na realimentação interativa do valor calculado para os períodos anteriores. O resultado desse cálculo é utilizado como medida para inferir análises futuras e para reduzir o grau de incerteza com base na evolução temporal dos dados notificados. Assim, o R fornece indicações importantes sobre o nível de risco da pandemia.

De acordo com epidemiologistas e especialistas em saúde pública, valores de R abaixo de 0,5 indicam um risco muito baixo de disseminação da doença. Porém, valores de R acima de 2,0 apontam para uma situação de risco extremo, considerando que isso implica em um grande número de pessoas que podem ser infectadas a partir de um único indivíduo que esteja contaminado e propagando o vírus.

Segundo o boletim mais atualizado, o R encontra-se atualmente em 2,54 no estado e 2,61 na cidade do Rio de Janeiro, maior índice da região. Em uma análise descontextualizada, o número poderia sugerir um lockdown, mas o grupo defende que nenhuma ferramenta deve ser usada isoladamente.

Guilherme Travassos, professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) e membro do GT, afirma que a avaliação de situações de risco, causadas por quaisquer fenômenos, deve ser sempre realizada com base em um conjunto de indicadores e fatores complementares.

“Não seria diferente para o que temos vivenciado com a pandemia de Sars-CoV-2. Diferentes indicadores podem e devem ser utilizados para avaliar a evolução da pandemia e, com eles, apoiar uma tomada de decisão baseada em evidência.”

Entre os indicadores elencados, estão, por exemplo, dados sobre ocupação hospitalar, número de casos por 100 mil habitantes, percentual de positividade nas testagens, percentual de disponibilidade de profissionais e cobertura vacinal.

Lockdown: dados precisam ser analisados em contexto

Além de indicadores da pandemia, também é necessário levar em conta questões econômicas e sociais para decisões e elaboração de políticas públicas. É o que garante Chrystina Barros, pesquisadora do Centro de Estudos em Gestão de Serviços de Saúde (CES/Coppead) e também membro do GT.

“Não é falar da economia apenas pela economia, mas a economia como condição fundamental, como um determinante social para que as pessoas acessem condições dignas de vida e saúde. Exatamente por essa complexidade, mas sem perder de vista que a transmissão continuada pode sobrecarregar o sistema de saúde, aumentar o número de óbitos, dar margem ao surgimento de novas variantes, tudo isso precisa ser considerado para que se tome a melhor decisão”, explica.

Para Travassos, ao pensarmos em lockdown é necessário compreender que o conceito não pode ser visto como todos fechados em suas casas e todas as atividades paradas. As restrições precisam ser planejadas e realizadas em prol do bem-estar geral e levando em consideração a manutenção de atividades essenciais. “Porém, já não estamos observando microlockdowns, com o fechamento de agências, indisponibilidade de serviços, cancelamento de voos, dentre vários outros, provocados forçadamente pelo vírus e sem qualquer planejamento prévio em alguns setores?”, questiona.

Foto com enfoque nos pés de uma pessoa em uma escada rolante. Na imagem, a pessoa pisa em um degrau com um símbolo verde, os dois degraus seguintes estão marcados com símbolos vermelhos
Medidas de prevenção continuam sendo importantes contra a disseminação da covid-19 | Foto: Artur Môes (Coordcom/UFRJ)

Explosão da ômicron e apagão de dados

A entrada e espalhamento da variante no Brasil se deu em um momento muito difícil em questão de levantamento de dados para análise de risco. O Ministério da Saúde (MS) informou em 10/12/2021 que sofrera um ataque em seus sistemas, o qual promoveu um apagão de dados sem precedentes no país. Por mais de um mês, os sistemas do MS responsáveis pelo acompanhamento da doença, como o ConecteSUS e o Portal Covid, permaneceram fora do ar, impedindo uma real dimensão do avanço da ômicron.

Sem números oficiais, a realidade foi sentida, principalmente, nos postos de testagem. Assim como na África e na Europa, a variante se espalhou muito rapidamente, mostrando seu alto potencial de transmissão. As filas para testes cresceram tanto na rede pública quanto na privada, aumentando ainda mais a dificuldade de monitoramento da situação epidemiológica.

“Creio que o período do apagão coincide com a chegada da variante ômicron e, se confirmando isso, o comportamento da curva e os valores de R reforçam a criticalidade da situação, amenizada, felizmente, por conta do processo de vacinação da população e a eficiência de proteção dos imunizantes, que permitiu reduzir drasticamente a ocupação hospitalar e o número de óbitos. Porém, com toda a proteção que recebemos, ainda ficamos doentes e isso nos coloca em situação de isolamento, com ou sem sintomas. Nesse caso, corremos o risco de não poder ofertar serviços ou manter em funcionamento diferentes setores, tendo em vista a indisponibilidade de profissionais para desempenhar as tarefas”, explica Travassos.

Evolução da nova onda e precauções

 A onda da ômicron em outros países mostrou um pico de casos muito alto e de maneira muito rápida, mas logo depois o número de infectados começou a diminuir. Seguindo os dados disponibilizados por pesquisadores da África do Sul e da Europa, Barros estima que o ápice da pandemia seja no final de fevereiro.

“A gente não observa uma mesma proporção no número de óbitos e casos graves do que vimos em outras ondas. Isso é bom, mas o grande risco é, em primeiro lugar, no surgimento de novas variantes. A gente não pode afirmar o impacto de uma possível nova variante, e ela vai surgir, só não sabemos quando e nem seu impacto. O segundo é mesmo que, percentualmente, os casos graves e óbitos sejam menores, se o número total for gigantesco, esse percentual, ainda que pequeno, pode sobrecarregar o sistema de saúde”, explica Barros.

Para os dois pesquisadores é fundamental buscar completar o esquema vacinal de quem ainda não o fez e avançar com a vacinação das crianças, que, mesmo que tenham sintomas mais leves, podem evoluir para casos graves e são fatores importantes na cadeia de transmissão. Este será um esforço contínuo nos próximos anos: aplicar doses de reforço nos grupos mais vulneráveis, como é feito com a gripe, mas cujo intervalo de tempo ainda não é possível precisar, frente à rapidez de mutações do Sars-CoV-2.

Além dos imunizantes, outras medidas ainda devem ser utilizadas para impedir a transmissão. O uso correto de máscaras – de preferência as PFF-2 –, evitar aglomeração, dar preferência por atividades ao ar livre, manter bons hábitos de higiene – principalmente após cumprimentos ou utilização de superfícies de uso comum – e seguir os protocolos de isolamento em casos positivos da doença.

“Não existe uma solução única para a pandemia, depende do comportamento e das informações, de incorporarmos o que eram até então restrições como cuidados, hábitos novos, para que a gente consiga superar essa fase”, conclui a pesquisadora.