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Vacinação avança, mas evasão preocupa

Estudo aponta que mais de 200 milhões de doses ainda precisam ser aplicadas para alcançar cobertura vacinal necessária

Com mais de 533 mil mortes causadas pela COVID-19, o Brasil se encontra em um momento crucial no combate à pandemia. A vacinação, apesar de ter acelerado nas duas últimas semanas, avança de forma lenta e vem deixando buracos significativos nas faixas etárias já cobertas. Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (Iesc/UFRJ), em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), aponta que, até 9/7, 15% dos idosos com mais de 80 anos, 14% com mais de 70 anos e 61% com 60 a 69 anos ainda não foram completamente imunizados.

Para alcançar a imunidade coletiva, as metas almejadas de cobertura vacinal dos grupos priorizados devem ser altas, preferencialmente acima de 90%. Esse cálculo leva em conta a eficácia global das vacinas aplicadas, o tamanho da população e especificidades de transmissão do vírus. Segundo a pesquisa realizada pelo Iesc, que analisou os dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde, apenas 19% da população elegível (acima de 18 anos de idade) está com o esquema de vacinação completo. Assim, ainda seriam necessários 207 milhões de doses aplicadas até o fim do ano para cumprir a meta de imunização em 2021.

Gráfico mostra crescimento da vacinação, com primeira dose e esquema vacinal completo, até 4 de julho. Uma linha em verde-claro representa, com tendência crescente, os imunizados com pelo menos uma dose e está, atualmente, em 44,7%. Já a linha em verde-escuro representa,  em tendência crescente, mas em menor proporção, os completamente imunizados e, atualmente, está em 15,2%.
Evolução da cobertura vacinal no Brasil | Imagem: Iesc/USP

“A cobertura vacinal é um indicador simples que avalia o desempenho do sistema de saúde. Temos como atingir a imensa maioria da população e a imunização tornou-se a principal estratégia da pandemia. Portanto, estamos diante de dois desafios: obter mais vacinas – esperamos que as doses prometidas sejam entregues – e não deixar ninguém para trás nesse processo”, conta Ligia Bahia, professora do Iesc e uma das responsáveis pelo estudo.

Os buracos na vacinação

Atualmente no Brasil são aplicadas quatro vacinas. A Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, com um prazo de 21 dias entre as doses; a da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com a Astrazeneca/Universidade de Oxford, e a da Pfizer, ambas com espaço de 12 semanas para a segunda dose; e, ainda, a da Janssen, de dose única.

“Precisamos de altas coberturas vacinais para bloquear casos graves e óbitos. As vacinas conferem proteção individual contra a COVID-19, mas, para garantir a proteção coletiva, é importante que o componente populacional seja alcançado. E isso passa por completar o esquema vacinal, já que a imunização completa confere maior proteção – para você e para os outros”, explica a professora.

Nos meios de comunicação e nas redes sociais, cidades e estados brasileiros promovem uma espécie de competição para alcançar primeiro a cobertura vacinal de sua população. A cidade do Rio de Janeiro e os estados do Maranhão e São Paulo, por exemplo, constantemente atualizam seus calendários. O estudo destaca, no entanto, que é incorreto supor que o Brasil avança nas coberturas vacinais somente porque uma nova faixa etária foi convocada, sem que as populações prioritárias anteriores tenham sido efetivamente imunizadas. Com o avançar da imunização, os buracos nas faixas etárias vêm crescendo.

Um exemplo é a quantidade de idosos que, em alguns estados, não tomaram sequer a primeira dose. No Rio de Janeiro, estado com a pior taxa nessa faixa etária, 15% dos idosos com mais de 80 anos não tomaram nenhuma das vacinas. No geral, o Brasil vacinou 94% dessa população.

Gráfico mostra a cobertura vacinal contra a covid-19, com imunização completa ou parcial, entre maiores de 18 anos até 4 de julho. Para mais de 80 anos: 94% parcial e 85% completa. Entre 70 e 79 anos, 95% parcial e 86% completa. Entre 60 e 69 anos, 90% parcial e 39% completa. Entre 50 e 59 anos, 72% parcial e 6% completa. Entre 18 e 40 anos, aproximadamente 26% completa e 5% parcial.
Cobertura vacinal contra a COVID-19 | Imagem: Iesc/USP

Entre as pessoas acima de 60 anos de idade que tomaram a primeira dose das vacinas disponíveis, mais de 7,2% (ou 2,1 milhões de pessoas) não tinham retornado, até 4/7, para a segunda dose – ou ainda não tiveram sua segunda dose registrada no sistema, passados mais de 28 dias após a administração da primeira dose para a Coronavac e três meses para a Covishield/Astrazeneca e Pfizer.

Para sanar essa questão, Bahia defende uma campanha de comunicação mais bem estruturada, com uma divulgação mais clara sobre quem pode se vacinar em cada etapa, além de reforçar as “repescagens” e construir estratégias para resgatar quem ainda não se vacinou.

“Precisamos deixar claro que todo dia é dia de se vacinar. O Sistema Único de Saúde sabe fazer isso, tem experiência anterior.  Uma medida importante seria reservar sempre vacinas para quem ainda não tomou nenhuma dose, separadas das disponíveis para aqueles que precisam da segunda”, declara.

Problemas no PNI

Segundo a professora, existe muita confusão com o Plano Nacional de Imunização (PNI), sobretudo em função da falta de coordenação do Ministério da Saúde, que não centralizou e nem divulgou corretamente a campanha de vacinação. “As boas práticas e tradições do PNI do Brasil foram postas de lado por sucessivas gestões do Ministério da Saúde. Sem um ordenamento centralizado, ficou nas mãos dos estados e prefeituras estabelecerem critérios e calendários próprios.”

Bahia lembra que os profissionais da saúde e os demais envolvidos nos processos de logística sofrem diariamente para ordenar esse processo, que vem sendo caótico. “Ainda bem que temos equipes competentes e dedicadas espalhadas pelo país, que tentam dar conta de um processo de vacinação complexo, com duas doses e mais de uma vacina.”

Recomendações

O documento publicado pelo grupo deixa claro que, mesmo com o avanço da imunização, a cobertura vacinal no Brasil ainda é insuficiente para conferir proteção contra casos graves da COVID-19. Os pesquisadores entendem que, com as doses que devem chegar nos próximos meses, é possível alcançar a cobertura de toda a população até o final de 2021, dado o histórico bem-sucedido do SUS em campanhas do tipo. Porém, isso só será alcançado com o esforço diário no aumento de aplicações e, também, com a confirmação do recebimento de novos carregamentos de vacinas.

“A velocidade da vacinação até agora, apesar de mais acelerada nas últimas semanas, ainda é inadequada ao cenário epidemiológico no país”, afirma a pesquisa.

Embora estudos apontem correlações positivas entre a cobertura vacinal já alcançada e a redução de óbitos pelo coronavírus, os pesquisadores da UFRJ e da USP advertem que os limites para estabelecer essas conexões ainda são relativamente baixos. Assim, é essencial continuar estimulando o avanço da vacinação e as pesquisas na área.

Leia a pesquisa na íntegra aqui.