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Descontrole do clima acabará com espécies da fauna e da flora ainda neste século

A maioria das plantas e dos animais, em especial os que não podem se refugiar em outros habitats, seria salva pelo Acordo de Paris

Em conjunto com cientistas da Índia, África do Sul, Nova Zelândia, Inglaterra, Alemanha e Trindade e Tobago, pesquisadoras da UFRJ divulgaram um alerta sobre a extinção de espécies de plantas e animais nos lugares mais biodiversos do mundo se as emissões de gases de efeito-estufa continuarem a aumentar. A equipe global de cientistas, liderada por Stella Manes e Mariana Vale, do Instituto de Biologia (IB/UFRJ), analisou quase 300 hotspots de biodiversidade − lugares com números excepcionalmente altos de espécies animais e vegetais − em terra e no mar. Para Mariana Vale, uma das autoras do estudo científico, manter a temperatura nas metas climáticas do Acordo de Paris ou abaixo do estabelecido salvaria a maioria das espécies.

Os pesquisadores verificaram que os animais endêmicos, aqueles que só ocorrem em regiões exclusivas do planeta, têm 2,7 vezes mais probabilidade de extinção do que outras espécies se persistir o descontrole nas emissões de gases nocivos, impactando seus habitats únicos. Além disso, lugares como as ilhas do Caribe, Madagascar e Sri Lanka poderão ver a maioria de suas plantas endêmicas se extinguindo logo em 2050. Os trópicos são especialmente vulneráveis, com mais de 60% das espécies endêmicas ameaçadas de extinção devido apenas à mudança climática.

As políticas atuais colocam o mundo no caminho de 3°C de aquecimento. Nesse cenário, um terço das espécies endêmicas que vivem em terra e cerca da metade das espécies endêmicas que vivem no mar enfrentarão a extinção. Nas montanhas, 84% dos animais e plantas endêmicas podem ser extintas a essas temperaturas, enquanto nas ilhas esse número sobe para 100%. Em geral, 92% das espécies endêmicas terrestres e 95% das endêmicas marinhas sofrerão consequências negativas, como redução de populações. 

“A mudança climática ameaça áreas transbordantes de espécies que não podem ser encontradas em nenhum outro lugar do mundo. O risco de que tais espécies se percam para sempre aumenta mais de dez vezes se falharmos os objetivos do Acordo de Paris”, afirma Manes, autora principal do estudo. Ela também acredita na possibilidade de a maioria das espécies endêmicas sobreviver, caso os países reduzam as emissões conforme o Acordo de Paris, que visa a manter o aquecimento global bem abaixo de 2°C (idealmente a 1,5°C).

Segundo o estudo, apenas 2% das espécies terrestres endêmicas e 2% das espécies marinhas endêmicas enfrentam a extinção a 1,5ºC. Esses números mais que dobram a 2ºC e, se o aquecimento chegar a 3ºC, saltam para 20% e 32% para espécies endêmicas terrestres e marinhas, respectivamente. Para Manes, há pouco conhecimento sobre o valor da biodiversidade. “Quanto maior for a diversidade de espécies, maior será a saúde da natureza. A diversidade também protege contra ameaças como as mudanças climáticas. Uma natureza saudável fornece contribuições indispensáveis às pessoas, como água, alimentos, materiais, proteção contra desastres, recreação e conexões culturais e espirituais.”

De acordo com Mariana Vale, o estudo mostra que pontos ricos de biodiversidade não poderão atuar como porto seguro contra as mudanças climáticas. “Confirmamos nossas suspeitas de que espécies endêmicas estariam particularmente ameaçadas pelas mudanças climáticas. Isso poderia aumentar muito as taxas de extinção em todo o mundo, uma vez que essas regiões ricas em biodiversidade estão repletas de espécies endêmicas”, explica a pesquisadora.

As espécies endêmicas incluem alguns dos animais e plantas icônicos no mundo, como os micos-leões do Brasil, que podem perder mais de 70% de seu habitat até 2080. De acordo com o estudo, a América do Sul será uma das regiões mais afetadas exatamente por ter importantes hotspots de biodiversidade, com até 30% de todas as suas espécies endêmicas em alto risco de extinção. As ilhas do Caribe podem perder a maioria de suas plantas endêmicas até metade do século, e os recifes de coral da região também podem desaparecer. 

As tartarugas marinhas, que aninham em muitas praias da América do Sul e Central, são vulneráveis ao aumento da temperatura. No Havaí, plantas nativas icônicas, como a palavra-de-prata Haleakalā, poderiam se extinguir, assim como aves nativas simbólicas, como os honeycreepers havaianos. Outras espécies ameaçadas de extinção pelas mudanças climáticas incluem lêmures, exclusivos de Madagascar, o leopardo-das-neves, característico dos Himalaias, além de plantas medicinais como o líquen Lobaria pindarensis, usado para aliviar a artrite.

Para Wolfgang Kiessling, especialista em vida marinha da Universidade Friedrich-Alexander Erlangen-Nürnberg e coautor do estudo, espécies exóticas introduzidas em um determinado habitat se beneficiam quando as espécies endêmicas são extintas. “Nosso estudo mostra que um mundo uniforme e provavelmente sem graça está à nossa frente devido à mudança climática.” Já Mark Costello, especialista em vida marinha da Universidade Nord e da Universidade de Auckland, outro coautor da pesquisa, explica que, pela própria natureza, essas espécies endêmicas não podem se deslocar facilmente para ambientes mais favoráveis. “As análises indicam que 20% de todas as espécies estão ameaçadas de extinção devido à mudança climática nas próximas décadas, a menos que atuemos agora.”

Os cientistas, todavia, ressaltam que é possível evitar a extinção em massa se os países reduzirem as emissões em conformidade com o Acordo de Paris. Fortes compromissos dos líderes globais antes da Conferência do Clima em Glasgow, na Escócia, no final deste ano, podem colocar o mundo no caminho certo para cumprir o Acordo de Paris e evitar a destruição generalizada de alguns dos maiores tesouros naturais do mundo.