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A cultura em sua maior crise

Mantendo a marca da resistência, setor luta para sobreviver em meio à pandemia de COVID-19

Sensação de bem-estar, felicidade, satisfação. Esses são alguns dos sentimentos trazidos pelas manifestações culturais. Em época de isolamento social, podemos dizer que a cultura é uma das maiores responsáveis por uma tentativa de se chegar o mais próximo possível da sanidade mental. Tivemos que nos reinventar e reorganizar nossas vidas. Não foi diferente com a cultura. Os shows deram lugar às lives, espetáculos foram transformados em transmissões. O presencial deu lugar ao virtual.

O setor, que já vinha passando por um desmonte devido às diversas ações de precarização dos governos atuais, sofreu um baque. Tudo saiu do lugar. Shows, gravações, peças de teatro, estreias de filmes, tudo ficou para depois. E como se mantêm os espaços culturais e os profissionais nesta crise?

O  Circo Voador, centro cultural localizado na agitada Lapa, no Rio de Janeiro, fechou as portas e parou todas as suas atividades como shows, oficinas e a creche-escola mantida pela instituição. Teve que se reinventar. Entre as novas ações que o Circo realiza estão a promoção de bate-papos semanais pelo Instagram, com lideranças, ativistas, voluntários e realizadores de ações que estejam ajudando o próximo no combate ao novo coronavírus. Criou-se também o Circo Voador no Ar, transmissões de shows que acontecem na casa pelo canal do Youtube, às sextas e sábados, às 22 horas.

Profissionais com dificuldades e papel do poder público

Os profissionais do setor da cultura também tiveram suas vidas alteradas. Em sua maioria autônomos, muitos viram-se em uma situação precária com a impossibilidade de trabalhar. Iniciativas de coletivos estão fazendo a diferença na tentativa de contribuir com a comunidade. No setor audiovisual, um grupo de profissionais criou, antes da pandemia, o coletivo Filma Rio, com o objetivo de reunir os profissionais, debater a situação do setor e pensar em perspectivas. Declarada a pandemia e pensando nos profissionais que não tinham como se sustentar, organizaram uma “vaquinha” on-line para arrecadação de verbas para compra e distribuição de cestas básicas.

Muitos profissionais precisaram pensar em novas alternativas para sobreviver. Tiveram que se reinventar. André Martins, técnico de iluminação, teve que buscar outras alternativas.    “A instabilidade da oferta de trabalho já nos obriga a ter um plano B, C, D… Eu, assim como muitas e muitos, estou colocando em prática o que pode me manter, assim como nossas famílias”, diz Martins. Para ele, as perspectivas para o retorno não são positivas: “Não há orientação sobre o que se esperar. O horizonte de nações que passam por momentos trágicos como o que estamos passando se repete: primeiro há cortes marcantes nos investimentos, mesmo nas manutenções de instituições públicas de ensino, pesquisa e cultura. Assim como são as áreas que voltam a ter atenção governamental mais tardiamente. É trágico o que nos espera”. 

O suporte do Estado não chegou à classe artística no primeiro momento. O auxílio emergencial não contemplou o setor cultural e foi necessária a aprovação de uma lei específica, a Lei n.o 14.017, de 29 de junho de 2020. Conhecida como Lei Aldir Blanc, em homenagem ao compositor morto por COVID-19, ela aprova o valor de R$ 3 bilhões para auxílio de profissionais e iniciativas culturais durante a pandemia. O projeto de lei, de autoria da deputada Benedita da Silva (PT-RJ), prevê ajuda não só a profissionais, mas também a espaços culturais como pontos de cultura, teatros independentes, circos, cineclubes, entre outros. O texto aprovado pelo Senado prevê competência da União em repassar o valor total, em parcela única, aos estados e municípios. Cabe a eles executar os repasses preferencialmente por meio dos fundos estaduais, municipais e distrital de cultura ou, quando não houver, de outros órgãos ou entidades responsáveis pela gestão desses recursos.

Novos fazeres

Reinvenção. A palavra que apareceu várias vezes neste texto é cada dia mais presente quando pensamos em cultura. O setor precisa pensar não só em como  passar por esta crise, mas também em como continuar vivo após a pandemia de COVID-19. Segundo Carlos Smith “Lencinho”, da equipe de comunicação do Circo Voador, “é chato ouvir toda hora ‘vocês terão que se reinventar’, mas é uma verdade em vários aspectos. E, quando isso tudo acabar, o papel de cultura será o de sempre: alegrar, questionar, refletir, emocionar e provocar”. 

Segundo o Sistema de Informações e Indicadores Culturais (Siic) 2007-2018, estudo que consolida informações de diferentes pesquisas do IBGE, o setor cultural abrangia, em 2018, mais de 5 milhões de pessoas, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), representando 5,7% do total de ocupados no país. O valor adicionado à economia pelo setor em 2017 foi de cerca de R$ 226 bilhões.

O setor é grande em termos econômicos. É o meio pelo qual uma nação se reconhece. É difusor de ideias, debates e reflexões. A cultura é um setor vivo e pulsante que vai renascer quando a pandemia passar.