Estudo publicado na revista Science e assinado por uma equipe internacional e interdisciplinar de cientistas e economistas – entre eles a brasileira Mariana Vale, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – mostra como investimentos por parte de governos de todo o mundo para coibir o tráfico de animais selvagens e frear a destruição de florestas tropicais podem prevenir futuras pandemias. O custo é elevado, em torno de 22 bilhões de dólares, mas irrisório se comparado aos 2,6 trilhões de dólares perdidos para a COVID-19 e às mais de 600 mil mortes que o vírus já causou.
Os especialistas argumentam que o custo total das medidas preventivas recomendadas para os próximos 10 anos corresponde a apenas 2% dos custos eventuais estimados para combater a pandemia da COVID-19, os quais, segundo alguns economistas, poderiam superar valores entre 10 e 20 trilhões de dólares.
No artigo, os especialistas observam que o SARS-CoV-2, o HIV, o Ebola e outros vírus que passaram de hospedeiros animais para os seres humanos no último século tiveram relação com o contato próximo entre pessoas e animais silvestres, como morcegos e primatas, entre outros. Em alguns casos, os animais infectaram humanos diretamente; em outros, a via de infecção foi indireta, por meio de animais domésticos consumidos por humanos.
Os autores do artigo observam também que locais limítrofes a florestas tropicais, onde mais de 25% da vegetação original foi perdida, tendem a ser focos de transmissões virais entre animais e humanos. Morcegos, por exemplo, que são os prováveis reservatórios de Ebola, SARS e do vírus que transmite a COVID-19, passam a se alimentar nas proximidades de povoados quando o seu hábitat florestal é perturbado pela construção de estradas, extração de madeira e outras atividades humanas.
Mariana Vale, professora do Departamento de Ecologia da UFRJ, afirma que “a relação entre desmatamento e tráfico de animais silvestres e o surgimento de doenças emergentes é muito bem estabelecida. Mesmo assim, ações ambientais estão essencialmente fora da agenda de prevenção de pandemias. A boa notícia é que investir entre 22 e 31 bilhões de dólares por ano em programas para monitorar e reduzir essas atividades pode diminuir substancialmente as chances de algo como a COVID-19 acontecer novamente.”
De acordo com a pesquisadora, as nações desenvolvidas poderiam pagar a maior parte desse plano de prevenção, que é uma fração do que perdem com pandemias. “Os 22 bilhões de dólares anuais para a prevenção de pandemias são menos de 1% do gasto dos EUA com o setor militar, por exemplo, e a COVID-19 é, sem dúvida, uma ameaça muito maior para a vida dos americanos que alguma guerra iminente”, ressalta Vale.
Além da cientista da UFRJ, estão entre os coautores da análise ecólogos, médicos, infectologistas, economistas e ambientalistas de diversas universidades – entre elas Duke, Princeton, Harvard, Rice, George Mason, Boston, Illinois, Wisconsin-Madison (EUA) e Duke Kunshan (China) – e organizações sem fins lucrativos, como a Conservation International, o Instituto Earth Innovation, a EcoHealth Alliance, o Safina Center e, ainda, o Fundo Mundial para a Natureza (WWF do Quênia).
Outras recomendações presentes no artigo são:
- Investir entre 217 e 279 milhões de dólares anualmente em medidas precoces de detecção e controle. Isso inclui a criação de um acervo sobre genética viral, que poderia ser usado para identificar a fonte de novos patógenos emergentes cedo o bastante para desacelerar ou cessar sua propagação e, finalmente, acelerar o desenvolvimento de testes sorológicos para monitorar surtos futuros e de vacinas para preveni-los.
- Investir 19 milhões de dólares por ano em programas para combater o comércio de animais silvestres na China e educar consumidores e caçadores sobre os riscos potenciais.
- Investir 19 bilhões de dólares por ano em programas e políticas que poderiam reduzir em até 50% o desmatamento tropical em áreas críticas.
- Alocar 852 milhões de dólares por ano para reduzir a propagação de vírus em transmissões interespécies, como ocorre na criação de animais domésticos para consumo humano.