Categorias
Memória Sociedade

Coronavírus: grupo de trabalho faz reflexão sobre economia do Brasil

Texto sugere ações estratégicas em termos de política econômica para lidar com a crise

Um documento elaborado pelos professores Maurício Metri e Eduardo Crespo, ambos do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (Irid/UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional (Pepi-IE/UFRJ), intulado “Economia em Tempos de COVID-19: breves reflexões para o seu enfrentamento”, foi divulgado nesta quarta-feira (18/3). O texto é um dos frutos do Grupo de Trabalho sobre o Novo Coronavírus, dividido em frentes interdisciplinares.

Os pesquisadores apontam que o governo precisa ter atuação rápida para atuar nas políticas fiscal e monetária. Para os docentes, entre outras medidas, é preciso um plano urgente de transferências unilaterais de renda, emergenciais e temporárias, a trabalhadores desempregados, autônomos e em afastamento sem vencimento.

75 professores do Instituto de Economia da UFRJ também se posicionaram; leia aqui

Leia na íntegra:

Alguns aspetos gerais da epidemia e o consenso sobre a orientação estratégica principal

Nesse momento, a proliferação de COVID-19 é um fato que se impõe a todo o mundo, independente de qualquer vontade, e todos os países terão que lidar com um contexto de crise e defender suas respectivas populações.

Do ponto de vista econômico, o mais importante a se observar é a alta velocidade de contágio do vírus e, como resultado, o crescimento acelerado da demanda por tratamento adequado, sobretudo para os casos mais graves (necessidade de internação).

O centro do problema reside no descompasso entre a oferta e a demanda de um serviço de saúde pública específico, adequado ao enfrentamento da crise. Daí resulta a consequência mais grave da crise: o aumento da taxa de óbito de um número expressivo de pessoas que não morreriam caso tivessem acesso ao tratamento.

Como a expansão da oferta de leitos hospitalares não acompanha a velocidade de contaminação, mantendo-se num limite muito inferior às necessidades, a melhor estratégia é trabalhar para frear tal velocidade, de modo a arrefecer o pico de demanda por atendimento médico de casos mais graves, diluindo no tempo o descompasso entre demanda e oferta de tratamento adequado ao COVID-19. Algo empreendido e amplamente reconhecido por governos de diversos países e por organizações multilaterais internacionais.

Pode-se dizer que há um certo consenso de que a orientação estratégica principal é a diminuição da velocidade de propagação do vírus. Nesse contexto, tem-se utilizado amplamente como política pública o isolamento dos núcleos familiares por um período de tempo. A orientação é permanecer em casa, evitar ao máximo o contato com outras pessoas, de modo a desacelerar o processo de contágio e propagação da doença.

Problemas econômicos potenciais em tempos de política de isolamento

Num quadro de isolamento, o fechamento de espaços, a paralisação de uma série de atividades e a restrição aos fluxos de pessoas produzem efeitos consideráveis sobre qualquer economia. Em geral, pode-se falar em:

– Paralisação de algumas atividades produtivas (bens e serviços);

– Desestruturação de algumas cadeias produtivas;

– Problemas de abastecimento de alguns bens e serviços;

– Fragilização e risco de falências em alguns setores;

– Aumento das demissões em geral;

– Aumento dos afastamentos sem remuneração;

– Inviabilização de parte do trabalho de autônomos;

– Aumento da pobreza e da miséria;

– Aumento da inadimplência em geral;

– Fragilização setor bancário e risco de corrida bancária com efeitos sobre o sistema de pagamentos da economia;

– Fuga de capitais associados a ataques especulativos e perdas de reservas internacionais;

– Dependendo do nível das reservas, incapacidade de importação de bens e serviços (inclusive dos estratégicos ao enfrentamento da crise);

– Dependendo do nível das reservas, risco de crise cambial;

– Ainda no contexto das relações comerciais, há a queda recente nos preços das commodities em geral e a redução das exportações devido à recessão mundial e, provavelmente, agravada pelas medidas de controle sanitárias e protecionistas em resposta à própria epidemia; e

– Pela combinação de alguns desses problemas, risco de paralisia econômica, caos social e colapso institucional.

Ações estratégicas em termos de política econômica para lidar com a crise (Parte importante das sugestões a seguir está em conformidade com a perspectiva internacional em consolidação, conforme revela o próprio Policy Paper do FMI, de 16/3)

O atual contexto de crise epidêmica se torna ainda mais complicado para o caso brasileiro em razão do desempenho da economia nos últimos anos, marcado pelo baixo crescimento, aumento do emprego informal, diminuição da taxa de investimento, agravamento dos condições sociais (miséria, fome, desigualdade, etc.), precarização das condições de trabalho e desestruturação de serviços públicos em alguns setores (como, por exemplo, educação e saúde). Acentuou-se nos últimos anos a vulnerabilidade da sociedade brasileira a crises em geral.

Nesse sentido, a atuação do estado brasileira deve ser rápida e contundente.

Política fiscal

– Aporte de recursos financeiros a todos os esforços governamentais (sobretudo na área de saúde) necessários ao enfrentamento direto da crise epidêmica, independente do custo.

– Plano urgente de transferências unilaterais de renda, emergenciais e temporárias, a trabalhadores desempregados, autônomos e em afastamento sem vencimentos. Caso essas transferências não sejam feitas, será muito difícil restringir os movimentos dos trabalhadores informais para frear a epidemia.

– Plano de assistência direta na forma de bens e serviços (sobretudo alimentos e medicamentos) para grupos de maior vulnerabilidade (moradores de rua, etc.), sem acesso às condições mínimas de segurança alimentar, aos serviços de saúde, etc.

– Redução temporária de impostos e outras contribuições de setores da economia mais atingidos pela crise, sobretudo para pequenas e médias empresas.

– Todas essas ações dependem necessariamente da flexibilização das regras fiscais vigentes no Brasil (a lei de limite dos gastos, a regra de ouro orçamentária e a meta de resultado primário). Do contrário, não haverá política pública eficiente para enfrentamento da crise.

Política monetária

– Plano de financiamento do setor não-bancário por meio dos bancos públicos (BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica) através de linhas de crédito para capital de giro e financiamento de curto prazo a taxas mais baixas.
– Monitoramento e provimento da liquidez necessária pelo Banco Central aos bancos públicos para financiamento do setor não-bancário.

– Monitoramento e provimento de liquidez pelo Banco Central aos bancos privados com dificuldades financeiras de forma a preservar o sistema de pagamentos e evitar uma crise bancária.

– Especial atenção aos controles de capitais para evitar fugas de capitais, ataques especulativos e perdas de reservas internacionais.

– Havendo necessidade, criação de um sistema de múltiplos câmbios com taxas valorizadas para importação de bens e serviços estratégicos ao enfrentamento da crise e taxas desvalorizadas para bens sem importância estratégica.

Outras medidas urgentes

– Centralizar a cadeia de comando do sistema de saúde privado e público de forma a se criar uma ação coordenada entre as mais diferentes unidades hospitalares e de atendimento à população.

Observações finais

– Deve-se destacar que, mesmo sendo temporária a crise do COVID-19, seus efeitos econômicos provavelmente serão mais prolongados. Ademais, outras mutações do vírus podem reaparecer. Analistas apontam para o fato de que as crises desse tipo, sejam epidemias ou desastres ambientais, como as relacionadas, por exemplo, ao aquecimento global, serão mais frequentes no futuro, o que forçará os Estados a assumir tarefas de prevenção, defesa da sociedade civil e de planejamento econômico.

– Se a incerteza ambiental e/ou sanitária vir a se consolidar no cenário atual, a economia internacional tenderá a se fechar, como aconteceu no contexto da década de 1930, obrigando os Estados a assumir papéis muito mais ativos tanto na proteção dos mais afetados quanto na organização do sistema econômico.