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Memória

“Não deixaremos de ocupar os lugares na sociedade”

Cotista e integrante do coletivo preto Virgínia Bicudo, Dandara é um retrato das mudanças na Universidade

Por Tassia Menezes

De Nilópolis, na Baixada Fluminense, até o campus da Praia Vermelha, na Urca, há um longo caminho. Dandara Silva, graduanda de Psicologia da UFRJ, percorreu esse trajeto por anos para usufruir do seu direito de estudar nessa Universidade. Aluna de escolas públicas, integrante do que chama de “família tradicional brasileira” – uma mãe preta guerreira, dois irmãos e um pai ausente pelo alcoolismo –, chegou à UFRJ por meio da política de cotas e encontrou o racismo de diferentes maneiras.

Orgulhosa por ter sido nomeada em homenagem à Dandara dos Palmares, mulher guerreira que batalhou ao lado de Zumbi, a estudante viu no aquilombamento a possibilidade de união junto aos parceiros de curso negros para enfrentarem o racismo acadêmico e institucional. Formaram o coletivo preto Virgínia Bicudo de estudantes de Psicologia da UFRJ e hoje Dandara se sente feliz de ser referência de negritude por onde passa. Nesta entrevista concedida por e-mail, ela conta a sua experiência e reflete sobre o futuro neste 20/11.

 

Você estuda Psicologia em uma universidade pública que passa por um processo de mudança por conta de políticas públicas de inclusão da população negra, que são as cotas raciais. Como você observa esse espaço universitário do seu lugar de mulher negra? Como é estudar na UFRJ estando nesse lugar?

Eu sou fruto dessa política pública; a cota racial foi a minha porta de acesso à UFRJ. Na época eu era nova e não tinha muitas informações, então mal sabia exatamente o que ela significava. Mas hoje sei da sua importância e necessidade de outras políticas de permanência. Porque ocupar esse lugar é uma responsabilidade muito grande com nosso povo e mais diretamente com a minha família. Porque eu sou a primeira lá em casa a conseguir chegar no ensino superior e sei que muitos da minha geração também. Nós somos frutos de lutas intensas dos ancestrais e seguimos guerreando para afirmar que estamos ocupando mesmo esse espaço, que ainda é bastante elitista. Então, estar na UFRJ é uma grande oportunidade, com muitas alegrias e conquistas, mas também é uma caminhada de sofrimento e principalmente de luta por afirmações.

 

A militância da juventude negra na Universidade tem crescido nos últimos tempos, também devido a essa mudança de cenário e de perfil de alunos que hoje estão presentes nesse espaço. O que a motivou a fazer parte de um coletivo negro? Você diria que o crescimento desse e de outros coletivos negros está associado a um aumento de casos de racismo ou a um desvelamento deles?

As lutas do povo negro sempre foram coletivas, nós nunca estamos sós. Na universidade, o individualismo e a competitividade são muito aguçados, e é adoecedor andar na contramão. Mas quando há um coletivo, um lugar de fala e acolhimento, tudo muda! O coletivo preto de Psicologia Virgínia Bicudo ainda está completando 1 ano agora em dezembro. Justamente porque a situação estava para lá de insustentável, com professor afirmando cientificamente que negros e favelados tinham capacidades inferiores. Além de falas demonizando o candomblé e questões raciais serem completamente invisibilizadas e menosprezadas. Então entendemos que o coletivo precisava nascer e encarar tudo isso de maneira organizada. E dentro desses 11 meses nós já rebolamos muito, conquistamos vitórias concretas e temos nos acolhido e amado muito!

 

Como estudante universitária negra, qual é o futuro que você consegue projetar para si e para os seus pares diante dos movimentos anunciados?

Olha, a verdade é que a gente ainda não superou a vitória do futuro presidente da República e todos os retrocessos que ele representa. Há a sensação de medo, mas também a certeza de que continuaremos sendo fortes e resistentes, como sempre na história. Não deixaremos de ocupar os lugares na sociedade, inclusive as cadeiras na Academia.

 

Você poderia dizer como o racismo chegou até você? Existe algum episódio que seja marcante na sua história, dentro ou fora da Universidade?

Eu acredito que senti o racismo na pele pela primeira vez na escola, com a solidão e baixa autoestima. Meu cabelo sempre foi a grande questão indomável, e isso já me causou sofrimento demasiado. Mas destaco um episódio na adolescência no qual estava atravessando a rua e “atrapalhei” um motorista que tentava cortar o carro da frente no trânsito. Ele ficou tão estressado que colocou a cabeça pra fora, pela janela, e gritou “macaca”. Aquele “macaca” ecoou na minha cabeça por um bom tempo e eu perdi o chão, porque pela primeira vez o racismo tinha sido gritado diretamente na minha cara. Daí em diante eu só fui tendo mais certeza de que precisava me envolver e lutar ainda mais pelas questões étnico-raciais.

 

Confira as outras entrevistas da série sobre a Consciência Negra:

A filosofia stricto sensu dos terreiros de candomblé, Muniz Sodré 

“Racismo é um câncer social que dá em pessoas brancas”, Aza Njeri. 

“Mulheres negras são alvo preferencial da violência de gênero”, Érika Fernanda de Carvalho.

“A representatividade deve estar nos três poderes da República”, Martinho da Vila.