Foi publicado recentemente no International Journal of Drug Policy o primeiro artigo com resultados do estudo realizado com jovens usuários de crack do Rio de Janeiro e Salvador, em abordagem quantitativa e qualitativa, coordenado pelo professor Marcelo Santos Cruz, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Ipub). O estudo contou com a participação de pesquisadores da Universidade Federal da Bahia, da Fundação Oswaldo Cruz e das Universidades de Vancouver e Toronto, no Canadá.
O “Estudo exploratório sobre o perfil dos jovens usuários de crack em duas cidades brasileiras" teve o objetivo de levantar características básicas de duas amostras de jovens usuários de crack. Foram entrevistados 160 usuários regulares da droga (81 no Rio e 79 em Salvador) entre novembro de 2010 e junho de 2011.
No Rio, os usuários foram contatados na cracolândia do Jacarezinho; em Salvador, nos bairros populares do Pelourinho, Calabar, Ribeira, Fazenda Coutos e Valéria. O levantamento inclui entrevistas sobre características-chave que incluem dados sociodemográficos, padrão do uso do crack e outras drogas, comportamentos de risco, prevalência de HIV e hepatites A, B e C, utilização e demanda de serviços sociais e de saúde e problemas com a justiça criminal.
Como resultado mais relevante do estudo, encontra-se o fato de que, em contraste com a sabida gravidade dos problemas sociais e de saúde de pessoas que usam crack, na amostra estudada as taxas de utilização de serviços sociais e de saúde eram baixíssimas. Os serviços mais usados, tendo como base os últimos 30 dias anteriores aos relatos, eram locais que ofereciam refeições gratuitas, em geral, igrejas (utilizadas por 26% no Rio e 6,5% em Salvador), abrigos (12% no Rio, 5% em Salvador) e Centros de Saúde (10% no Rio e 11% Salvador).
Outro aspecto importante é que os dois grupos relatavam ter a prostituição como uma importante fonte de renda (para 17% no Rio e 8% em Salvador). Outro dado: 9% no Rio e 11% em Salvador trocam sexo por droga, e a frequência de atividade sexual sem preservativos é de 56% e 67% no Rio e Salvador, respectivamente.
“Apesar disso, as prevalências de soropositividade para HIV (3,7% no Rio e 11,2% em Salvador) e hepatites B (6,2% no Rio e 0% em Salvador) e C (0% no Rio e 1,3% em Salvador) eram baixas (com a exceção da prevalência de HIV + em Salvador) em comparação com usuários de crack de outros países. Isso indica a oportunidade e ao mesmo tempo a necessidade de implementação urgente de atividades de prevenção”, destaca o professor Marcelo Santos Cruz.
Em estudo com usuários de crack em três comunidades do Canadá, um terço (37,8%) relatou ter feito sexo sem camisinha nos 30 dias antes do estudo. Nesse estudo, um em cada 10 (9,5%) testou positivo para HIV e a maioria (58,8%) testou positivo para hepatite C.
Serviços específicos para abordagem (prevenção ou tratamento) de problemas com drogas foram usados por não mais de 2,5% das amostras do Rio e de Salvador. Apesar disso, 74% no Rio de Janeiro e 81% em Salvador afirmavam que usariam um serviço desses se houvesse próximo de onde vivem. Os entrevistados relacionavam a baixa utilização de serviços à distância dos serviços disponíveis, ao custo do transporte, à restrição dos horários de funcionamento, natureza e qualidade dos serviços, além de discriminação e estigma.
Como resultado geral, a maioria dos usuários da amostra é constituída por homens, com baixa escolaridade, moradia instável, renda proveniente de trabalho ilegal ou informal, usa crack muitas vezes por dia, além de álcool, tabaco, maconha e cocaína. Eles fazem sexo sem camisinha, não são testados para o HIV e não utilizam serviços sociais e de saúde, embora desejem usar.