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Gestação e parto natural é tema de debate

O “Encontro Nacional de Gestação e Parto Natural Conscientes” é um dos eventos mais expressivos do gênero na América Latina. Sua 21ª edição, que começou pela manhã do dia 23, teve sequência no período da tarde e abordou “O nascimento na luz da simplicidade: impactos sobre o futuro do ser humano”. O objetivo era fomentar a discussão sobre um dos aspectos mais importantes dentro das problemáticas de sustentabilidade e ecologia: a vida de uma criança, sua chegada a este mundo, a forma como é concebida e gestada, tudo isso como base para uma humanidade verdadeiramente saudável e fraterna.

A mesa dois, “Simplicidade e sustentabilidade no parto/nascimento, intervenções abusivas e os impactos nas futuras gerações”, realizada no primeiro dia do evento, contou com a presença de Carla Machado, educadora pré-natal e presidente da Associação Nacional de Estudos Psicanalíticos (Anep-Brasil); Laura Uplinger, psicóloga pré e perinatal; e Marcus Renato de Carvalho, médico, docente e pesquisador da UFRJ, sob a moderação de Cláudio Paciornik, médico formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com especializações em Ginecologia e Obstetrícia, Mastologia e Homeopatia. Paciornik também é o inventor do módulo de parto vertical, que possibilita a liberdade da mãe durante o parto, usado em vários hospitais do mundo.

A palestra foi iniciada com um depoimento de Giovana Xavier, professora do Instituto de História (IH−UFRJ). Ela relatou sua experiência de parto natural, vivida em julho deste ano. Segundo Giovana, o tempo de gravidez deve ser usado como espaço de formação. “Meu parto foi muito tranquilo, de cócoras. Durou cerca de 15 horas, mas não me cansou, pois usei os intervalos das contrações para descansar, até dormi! Isso aconteceu porque eu estava equilibrada espiritual e psicologicamente”, explicou.
Giovana lembrou a importância de encarar o nascimento como algo fisiológico, por isso defende o parto normal. “Todos os médicos que procurei antes da doutora Gabriela Andrews insistiram para que eu fizesse cesariana. Achavam que eu era louca por querer sentir dor, quando na verdade eu só quis respeitar a natureza do meu corpo”, concluiu.
Carla Machado iniciou sua fala afirmando que a simplicidade é algo raro hoje em dia. “A indústria, no caso, a farmacêutica, quer nos convencer de que mãe e filho precisam de coisas que em outrora nunca foram necessárias, e continuam não sendo.” E indagou: “Por que complicamos? Isso acontece já no hospital. Quando a criança nasce, é levada direto para o berçário. Substituímos o vínculo materno/paterno pelo vínculo com objetos (mamadeira, chupeta, ursinho, roupas). No futuro, quando a mulher está deprimida, vai ao shopping; o homem, à concessionária. O contato humano nos é tirado muito precocemente. Assim, desde o início, somos treinados para o mais difícil”, explicou.

Ainda sobre essa cultura de valorização dos objetos, Carla lembrou que os pais sempre querem dar “tudo do bom e do melhor” para seus filhos. Mas o que seria o melhor? “O mais caro nem sempre é melhor, pelo contrário. Na verdade, isso é um esquema de compensações. Mães e pais trabalham o dia todo e acabam dando presentes em vez de presença”, sentenciou. Isso se reflete na adolescência, fase na qual o indivíduo busca sua identidade. “Se ele foi criado sob a valorização de coisas, é isso que irá prezar: a marca, o mais caro, o ‘melhor’, já que a adolescência é uma repetição da infância.”

Assim, a educadora defende a veiculação da simplicidade o mais cedo possível. Para as meninas, por exemplo, deve ser ensinado que a menstruação é algo bom, um indicador de fertilidade. “Não há necessidade de tantos remédios para combater as cólicas. Na maioria dos casos, uma bolsa de água quente já resolve o problema”, disse. E concluiu: “Se a conscientização começa cedo, quando a mulher engravidar, estará preparada, já que conhecerá e reconhecerá o próprio corpo”.

Marcos Carvalho falou sobre a amamentação. De acordo com ele e com diversos estudos já realizados, o sucesso da  amamentação inicia-se na assistência ao parto. “Quando nasce uma criança, nascem também uma mãe, um pai, uma família. A mãe não amamenta sozinha. O marido/pai e a família são indispensáveis nesse processo”, afirmou.

Com isso, o médico lembra que, assim como a simplicidade deve ser ensinada às meninas desde crianças, o homem deve ser integrado à casa em sua educação. “Nossa sociedade machista prega que, enquanto as meninas brincam de boneca e casinha, os meninos devem brincar de futebol e jogos violentos. O resgate do homem para o lar começa na infância”, alertou.

Além disso, segundo Carvalho,  a amamentação não é instintiva ou natural: “No passado pode até ter sido, mas a industrialização maciça dos produtos fez com que nos afastássemos de nossa essência, criando falsas necessidades”. O médico exemplificou, citando a invenção do leite orgânico, de soja natural, entre outros. “Nenhum deles substitui o leite materno, que além de tudo é mais prático. Não são necessários mamadeira nem  outro apetrecho. E ainda sai quentinho”, brincou.

Por fim, o médico advertiu que amamentar em público é um direito. “A única coisa que pedimos é que as mulheres lavem as mãos antes de amamentar. Fora isso, é hipocrisia dizer que dar leite a uma criança, em público, é indecente ou inapropriado. Um ato de amor a um filho nunca é imoral. Imorais são as propagandas que mostram seios de mulheres com o único intuito de vender.”

Laura Uplinger finalizou a palestra resgatando a opinião  de Carla Machado: “Simplicidade é algo sofisticado”. Segundo ela, para se ter uma criança, a mãe precisa se sentir segura. “A natureza pede o simples, pois é aí que encontramos o aconchego e a intimidade.” Assim, com a humanização do parto, há mulheres que se sentem muito bem na hora de ter o bebê. “Esse deveria ser o comum. E é por isso que defendo o nascimento em casa. Há lugar mais acalentador?”, indagou a psicóloga.

Laura alertou sobre os excessos. De acordo com ela, não devemos descartar a tecnologia e o saber científico, mas poder selecionar o que realmente importa é primordial. “É o que acontece no caso da estimulação. Um dia alguém disse que era bom, então mães e pais começaram a decorar o quarto das crianças com cores extravagantes, mil bichinhos de pelúcia, brinquedos, quando na verdade o melhor estimulante é o rosto humano e suas inúmeras expressões. Olhar para a mãe/pai já é suficientemente instigante para o bebê”, afirmou

Nesse sentido, para Laura,  a dependência gerada pelo capitalismo (sintetizado no papel das indústrias farmacêutica e infantil) afeta mãe e bebê para o resto da vida. “A mãe acha que não consegue ter uma criança sozinha, depende de um hospital e de todo um aparato tecnológico. Assim, a criança já nasce dependente, pois carrega as emoções da mãe. Não podemos interromper a simplicidade. Violar a natureza significa violar os indivíduos”, concluiu.