Peixes de profundidades superiores a mil metros nadando à noite na superfície; algas fotossintéticas vivas e funcionais a 4 mil metros abaixo do nível do mar e insetos que se movem sobre as águas abrangendo grandes extensões oceânicas. Essas e outras surpresas vêm intrigando os pesquisadores a bordo do navio de pesquisa da Armada Espanhola Hespérides, que realiza uma viagem circunavegação e aportou no Rio de Janeiro nesta quinta-feira, 13 de janeiro, vindo de Cádiz, na Espanha. A estada no Rio faz parte do percurso de 42 mil milhas náuticas que compõem a Expedição Malaspina 2010 – ambicioso projeto científico de escala internacional que procura avaliar o impacto das mudanças globais sobre o oceano e investigar este ecossistema até então pouco explorado. Durante as viagens, as equipes realizarão coletas em 360 pontos e recolherão, aproximadamente, 70 mil amostras de ar, água e plâncton, desde a superfície até 4000 metros de profundidade.
Fruto de uma parceria entre o Ministério da Ciência e Inovação Espanhol e a Armada Espanhola, a expedição conta com o patrocínio da fundação BBVA e é coordenada pelo professor Carlos Duarte, do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC). Apesar da forte presença espanhola, o evento reúne mais de 400 pesquisadores de cerca 30 países , entre eles cientistas brasileiros vinculados ao laboratório de Biogeoquímica do Instituto de Biologia da UFRJ.
O professor Alex Prast, coordenador do laboratório da UFRJ, está orgulhoso com a presença de dois de seus colegas do Biogeoquímica, Luana Pinho e Humberto Marotta, a bordo do Hespérides. Prast reiterou as palavras do professor Carlos Duarte de que a comunidade científica deve abolir a lógica hegemônica da competição entre pesquisadores e se pautar por práticas de colaboração. “As grandes evoluções se deram por processos cooperativos” afirmou Carlos Duarte. O coordenador da expedição também denuncia a apropriação indevida, através de patentes, da biodiversidade marinha. Atualmente, existem 5000 patentes de genes de organismos marinhos dos quais 70% são de propriedade de apenas três países: EUA, Alemanha e Japão, enquanto outros 160 não dispõem de qualquer patente.
Um dos mais relevantes propósitos da expedição é organizar a primeira coletânea de meta-genoma do oceano profundo, que integrará a Coleção Malaspina 2010, reunião de dados e informações científicas que, ao final da viagem, deverá compor um arquivo com cerca de 5 terabites. A coleção funcionará como uma cápsula do tempo, que disponibilizará as gerações seguintes um amplo material para pesquisa.
Carlos Duarte defende a criação de um marco jurídico mundial que regule, de forma ética, o aproveitamento dos recursos da biodiversidade marinha, em especial o patrimônio genético localizado em águas internacionais, a fim de torná-lo um bem público.
Resgate histórico
A expedição Malaspina foi assim nomeada em homenagem a Alejandro Malaspina ( 1754-1810), capitão de fragata da Marinha Espanhola, que, em julho de 1789, realizou a primeira expedição espanhola de circunavegação, com duração de cinco anos, recolhendo numerosos dados, cartografando territórios, registrando a fauna e explorando mar. Após 200 anos, a “aventura científica” se repete, contando desta vez com dois navios: o Hespérides, cuja rota inclui o Rio de Janeiro, Cidade do Cabo, Perth, Sidney, Honolulu, Panamá, Cartagenas das Índias, chegando no dia 14 de julho em Cartagena, após sete meses de viagens; e o navio Sarmento de Gamboa, que navegará por três meses entre Las Palmas de Grand Canárias e Santo Domingo, no Oceano Atlântico.
Segundo o comandante do Hespérides, Capitão de Fragata Juan Antonio Aquillar Cavanillas, a embarcação com aproximadamente 3 mil toneladas de deslocamento foi projetada com finalidades de pesquisa oceanográfica, tendo sua primeira viagem à Antártica acontecido em 1991. O navio abriga diversos laboratórios, aparatos tecnológicos, tem uma tripulação de 57 membros da armada espanhola e acolheu nesta primeira etapa – Cádiz / Rio de Janeiro – 37 pesquisadores. O investimento total nesta expedição é da ordem 40 milhões de reais, sendo que, por dia, o navio gera gastos aproximados de 70 mil reais, segundo informou Carlos Duarte.
No entanto, tais investimentos podem ser considerados mínimos quando comparados aos desafios ambientais que as mudanças globais vêm gerando. Importantes alertas recaem sobre os riscos de acidificação dos oceanos, que a perdurar no ritmo atual, poderá comprometer a vida marinha e prejudicar a capacidade dos plânctons de captar o CO2, ampliando o efeito estufa na Terra.
Luana Pinho, pesquisadora da UFRJ, resume em sua fala o valor inestimável da troca de experiências a bordo do Hespérides: “É de uma riqueza enorme poder conviver com tantos outros pesquisadores de diferentes nacionalidades. Aqui, podemos, diariamente, experimentar o exercício da prática colaborativa em meio às pesquisas.”
O Hespérides parte rumo à cidade do Cabo, no continente africano, dia 17 de janeiro, tendo como chefe científico desta etapa da viagem o professor Pep Garsol.