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Mesa-redonda: Esporte, identidade e lutas políticas nos países africanos de língua portuguesa

Na última terça (01/06), o Salão Moniz Aragão, localizado no campus da UFRJ na Praia Vermelha, recebeu o “Simpósio Internacional Esporte, Colonialismo e Pós-colonialismo nos países africanos de língua oficial portuguesa”, organizado através de uma associação entre o Programa de Pós-graduação em História Comparada do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), Escola de Educação Física e Desportos (EEFD), Ministério dos Esportes e o Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ.

A mesa-redonda “O esporte no período colonial: identidade e lutas políticas”, iniciada às 14h, teve como participantes Nuno Domingos, doutor em Antropologia pela Universidade de Londres, Victor Melo, professor do Programa de Pós-graduação em História Comparada do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs), Andrea Marzano, professora do Departamento de História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), e Augusto Nascimento, pesquisador do Instituto Investigação Científica Tropical.

Moçambique, Cabo Verde, Angola e São Tomé e Príncipe foram colonizados por Portugal, mas cada um lidou com a dominação cultural, social e econômica a seu modo e o esporte foi uma ferramenta útil para todas as colônias. De acordo com Nuno Domingos, Moçambique tinha no esporte, durante as décadas de 1920 e 1930, a única forma de se fazer política, já que partidos e sindicatos eram proibidos pelo governo português. O futebol foi o primeiro espetáculo a chegar aos subúrbios, contribuindo socialmente para a população moçambicana. Inclusive, um desses cidadãos é o jogador mais reverenciado da história de Portugal: o atacante Eusébio. O carrasco brasileiro na Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, é considerado o melhor futebolista português de todos os tempos mas, na verdade, é um legítimo moçambicano vindo dos subúrbios do país.

Cabo Verde é um arquipélago descoberto no século XV, totalmente desabitado e sem vestígios de qualquer ocupação humana anterior. Segundo Victor Melo, esta característica altera por completo a noção de identidade do povo cabo-verdiano. “Com a falta de um povo autóctone, a miscigenação foi a responsável pela formação do povo de Cabo Verde.

Assim, houve a adoção de uma identidade local ‘importada’ de outros povos africanos, já que os cabo-verdianos são mulatos, e não negros, reproduzindo o pensamento eurocêntrico da metrópole”, analisa. Devido a essa identidade miscigenada, houve a popularização de esportes como o golfe e o críquete. A prática em massa de esportes bretões trouxe a reboque a influência inglesa, que, com o tempo, ficou maior que a da própria metrópole portuguesa.

São Tomé e Príncipe teve colonização semelhante a de Cabo Verde. O arquipélago era inabitado antes da chegada dos portugueses. No entanto, diferentemente de Cabo Verde, o povoamento não se deu por parte dos europeus. O português Augusto Nascimento descreve São Tomé e Príncipe colonial como “um país atrofiado pelas roças”. Os escravos que trabalhavam na agricultura eram oriundos de outras colônias portuguesas na África e permaneciam no país por apenas dois ou três anos.

Esta situação afetou a construção de laços afetivos com a terra, o que foi incentivado pela metrópole, posteriormente, com os esportes. “Portugal limitou-se a usar o esporte para tirar dos são-tomenses as ideias nacionalistas”, comentou Nascimento. Por este motivo, os colonizadores criaram filiais de clubes tradicionais portugueses, como Benfica e Sporting, em São Tomé, exaltando a identidade portuguesa. Nos anos 1960, esta identidade se fortaleceu com a ideia de uma “raça portuguesa capaz de grandes feitos”, devido às grandes campanhas do Benfica, bicampeão europeu, e da seleção portuguesa, na Copa do Mundo de 1966. Ambas as equipes possuíam diversos jogadores oriundos das colônias em seus elencos.

Andrea Marzano falou do caso angolano. Segundo a professora, “os portugueses utilizaram o esporte como uma forma de educar de acordo com os hábitos e códigos europeus”. A dualidade local entre a elite miscigenada e a maioria da população pôde ser vista nos principais clubes esportivos do país.

O popular Clube Naval, sem membros da elite, deu origem ao Clube Atlético de Luanda para competir em diversas modalidades, como o remo, atletismo e futebol, cujas partidas eram predominantemente marcadas pela violência. O desporto chegou ao país através dos funcionários ingleses da Empresa de Cabos Submarinos e, segundo Marzano, a agressividade, presente entre os competidores da elite portuguesa e da maioria negra, “era fruto do preconceito racial e social”.