O evento “DH em Tela” da última quarta (26/05), exibiu o filme Hotel Ruanda (2004), de Terry George. O roteiro narra o genocídio de cerca de 1 milhão de pessoas (cerca de 20% da população) do grupo tutsi provocado pela maioria hutu, entre abril e julho de 1994, naquele país. Após a sessão, a professora Victoria Grabois mediou um debate entre a professora Joana Vargas, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (Nepp-DH), e o público composto, majoritariamente por estudantes da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ. O evento aconteceu no Auditório Manuel Maurício de Albuquerque, no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da UFRJ.
Joana analisou o episódio sob o ponto de vista dos direitos humanos, mas sem deixar de abordar as responsabilidades da comunidade internacional. A docente explicou que a denominação de genocídio foi estabelecida, em 1948, através do artigo II da Convenção de Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas (ONU), para definir “atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. “Aquela foi uma tragédia anunciada. Teve início durante os 30 anos da colonização africana, em que os grandes países europeus retalharam os países do continente desrespeitando as divisões culturais daqueles povos”, elucidou.
O filme
O personagem Paul Rusesabagina, vivido por Don Cheadle, é um ruandês do grupo hutu, que gerencia um hotel de luxo pertencente a um conglomerado internacional. Ao iniciar o conflito, ele tenta proteger sua esposa, a tutsi Tatiana, seus filhos, vizinhos e amigos no local, valendo-se de suas boas relações com membros da milícia hutu, representantes do governo e estrangeiros influentes. Com o recrudescimento do massacre e a inércia das forças belgas, que deixam o país levando apenas os turistas estrangeiros, Paul se vê entregue à sua própria sorte, buscando salvar não só a própria vida, como a de mais de mil refugiados.
Baseado em fatos reais, o filme recebeu três indicações ao Oscar, entre elas a de melhor ator para Don Cheadle. O filme conta ainda com atores consagrados, como Nick Nolte, Jean Reno e Joaquin Phoenix. Paul Rusesabagina hoje vive na Bélgica com a esposa, filhos e sobrinhos, sobreviventes do genocídio, e recebeu diversos prêmios internacionais por salvar a vida de 1268 durante os conflitos.
Histórico
Inicialmente colonizada pela Alemanha, Ruanda passou ao domínio belga, em 1914. Para facilitar a dominação, os colonizadores criaram, incentivaram e aprofundaram a divisão entre hutus e tutsis, baseados em critérios pouco ou nada distinguíveis fisicamente. Inicialmente, os belgas apoiaram a minoria tutsi, a quem apontavam como “mais desenvolvidos” por terem traços mais similares aos caucasianos. No entanto, após a descolonização, este grupo rebelou-se contra os dominadores, que passaram a apoiar a maioria hutu.
Em 1990, exilados tutsis em Uganda, se organizam através da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) e ocupam novamente o território ruandês através da fronteira entre os dois países. Com a tensão estabelecida, o presidente hutu Juvenal Habyarimana, apoiado pela comunidade internacional, firma um acordo de paz entre os dois grupos, em 1993. No ano seguinte, no entanto, Habyarimana é assassinado em um atentado ao avião em que viajava, até hoje não esclarecido. Os hutus acusam os tutsis de lançar mão de um plano para exterminar o seu grupo e então, dá-se início ao genocídio. A milícia Interahamwe passa a incentivar o ódio contra os tutsis através de mensagens transmitidas pelas rádios hutus. Estima-se que cerca de US$ 134 milhões foram utilizados em armamentos, em recursos apropriados de programas de ajuda internacional do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Comunidade Internacional
Para Joana Vargas, “é preciso questionar a omissão das potências e dos organismos internacionais, que pouco fizeram para evitar o genocídio”. A docente cita o caso da França, que, segundo ela, desde 1990, financiava o governo de Habyarimana. Apesar de refutar tais acusações, o pedido de Paul Rusesabagina aos proprietários do hotel para que entrassem em contato com representantes do governo de François Mitterand e interviessem junto ao exército ruandês, é prontamente atendido, em episódio retratado no filme. Anos após o ocorrido, a ONU escreveu um documento em que retratava e assumia responsabilidades no episódio, entre os quais, a redução do efetivo que deveria “manter a paz” no país e não “estabelecer a paz”, em um claro exemplo da burocracia diplomática a serviço da guerra.
Atualmente, cerca de 100 mil criminosos abarrotam as prisões ugandesas, muitos dos quais, em virtude das atrocidades cometidas naquele período. Os tutsis da FPR governam o país, mas as tensões estão longe de terem sido resolvidas. Um tribunal internacional, estabelecido na Tanzânia, julga os crimes de guerra e o Human Rights Watch insiste para que o atual governo julgue também os réus do grupo tutsi.